A incoerência da FIFA é a imagem da obscuridade do futebol
Publicamos aqui no 'el clásico sports' nas últimas semanas três artigos sobre competições polêmicas da história do futebol: o Sul-americano do Chile em 1948, o Brasileirão de 1987 e a Copa Rio de 1951. Cada uma dessas competições tiveram seus pontos a serem discutidos, um deles, o sul-americano de 48, foi oficializado e reconhecido por FIFA e Conmebol como precursor da Libertadores da América; uma sandice na minha opinião. Os outros dois foram polêmicos por motivos diferentes, mas seus desfechos foram corretos e coerentes com a forma de oficialidade que deve ser usada nesses casos. Mas o que dizer da Copa Intercontinental que era disputada antes do atual mundial de clubes?
Surgimento da Copa Intercontinental e seus caminhos independentes
A primeira edição da Libertadores da América, na época Copa dos Campeões da América, foi disputada em 1960 e vencida pelo Peñarol do Uruguai. A essa altura, a Copa da Europa chegava à sua quarta edição, fortalecendo a predominância europeia e sul-americana no futebol mundial. Dois anos antes, em 1958, o presidente da CBD, João Havelange, manifestou junto à dirigentes da UEFA a vontade de organizar um torneio entre os melhores clubes europeus e da América do Sul. Ainda no mesmo ano, Havelange teve conhecimento de que os clubes do velho continente teriam interesse, mas em escala menor, limitando aos campeões dos respectivos continentes.
Foi nesse formato e com o confronto entre Peñarol e Real Madrid, que no dia 3 de julho de 1960 iniciava-se a trajetória do grande precursor dos mundiais de clubes. No entanto, vários aspectos contribuem para a incompreensão do reconhecimento da FIFA no tocante à importância de título mundial oferecido aos europeus e sul-americanos campeões dos intercontinentais entre 1960 e 2004. O primeiro, claro, é o fato de haverem apenas participantes de dois continentes, o que nem de longe abrange todo o mundo. Outro ponto de incoerência está na organização, que em momento algum se aproximou da entidade máxima do futebol. Os participantes também foram responsáveis por ilegitimar de maneira veemente a suposição de oficialidade do torneio ao longo da história.
Na década de 1970, os clubes europeus começaram a demonstrar certo desinteresse ao torneio, que até então era disputado em partidas de ida e volta. As viagens eram cansativas e a violência dos clubes sul-americanos foi outro componente justificativo apresentado pelos campeões do velho continente. Em 1971 o Ajax, que iniciara a série de três títulos europeus consecutivos, cedeu a sua vaga ao vice-campeão Panathinaikos, da Grécia. Isso se repetiu por mais quatro vezes na mesma década: 1973 (Ajax), 1974 (Bayern de Munique), 1977 (Liverpool) e 1979 (Nottinghan Forest). Além disso, em decorrência de outras desistências europeias, a competição sequer foi realizada em 1975 e 1978.
Em várias oportunidades o então presidente da FIFA, Stanley Rous, desacreditou o Intercontinental principalmente por não dar oportunidade aos continentes africano, asiático e norte-americano. O próprio Stanley propôs em 1967 que o torneio fosse abrangido, contemplando assim os campeões de outros cenários do futebol mundial e passando a ter a chancela da FIFA. A sugestão não foi bem aceita pela UEFA, pois afetaria fortemente o calendário europeu. Foi quando em 1980, visando a expansão da marca, que UEFA e Conmebol delegam a organização da disputa à Associação Japonesa de Futebol. A partir desse momento, o confronto passou a ser realizado em Tóquio todos os anos, até 2004.
Os 'porquês' do não cabimento
A FIFA reconheceu no dia 27 de outubro de 2017 os títulos conquistados por europeus e sul-americanos entre 1960 e 2004 como legítimos títulos mundiais. Em 2014, curiosamente, Joseph Blatter, então presidente da federação internacional, disse que apesar de reconhecer o valor de competições como o intercontinental e a Copa Rio, não haviam elementos que justificassem o reconhecimento dessas conquistas como sendo títulos mundiais. Mesmo assim, Gianni Infantino (presidente da federação desde 2016) resolveu acatar o processo em 2017 e levá-lo a ser votado. Com isso, a entidade entrou em máxima contradição de filosofia, deixando claro não haver diretrizes específicas para assuntos tão delicados.
Com a decisão, Boca Junior e Corinthians foram campeões mundiais no mesmo ano, em 2000, segundo a própria FIFA. Mas se o Intercontinental é legítimo, por quê as edições da Copa Rio de 1951 e 1952 não são? Se não haviam competições continentais na época, as diretrizes classificatórias deveriam ser outras, e foram. E o Troféu Sur Thomas Lipton realizado em 1909 e 1911? Por que não ter seu reconhecimento, já que foi o primeiro torneio internacional de clubes a se ter noticia?
A realidade é uma só: a pressão da UEFA faz toda diferença, pois onde tem conquistas dos clubes do velho continente, tem resoluções efetivas. O bi-campeão do Sur Thomas Lipton foi o instinto West Auckland, time amador cujo atletas eram os trabalhadores das carvoeiras do condado de Durhum, nordeste da Inglaterra. Portanto, ninguém lutou por esse reconhecimento. A Copa Rio de 1951 e 1952 teve como campeões clubes sul-americanos (Palmeiras e Fluminense, respectivamente), tendo como clara explicação do não reconhecimento a fraqueza política da Conmebol. Não que esses dois torneios mereçam tal legitimidade, muito pelo contrário. No entanto, em especial no caso da Copa Rio, suas diretrizes organizacionais e sua concepção foram muito mais legitimas do que o próprio Torneio Intercontinental, tendo como principal idealizador o francês Jules Rimet, então presidente da FIFA.
Como tudo nesse meio, tal ação em 2017 não passou de uma manobra política, e assim sendo, acaba por banalizar a importância da conquista do mundo. Lamentável.
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