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A Copa Rio de 1951 e seus caminhos oficiais





O que faz um torneio ser considerado oficial? Suas diretrizes organizacionais? Talvez, quem sabe, a escolha dos participantes e de onde eles vem? Na verdade, para ser honesto, tudo isso para mim é muito simples: oficial é àquele que fora idealizado por qualquer um, porém, chancelado e concebido por órgãos controladores oficiais do referido esporte.

Muitas competições ao longo da história do futebol foram vitais para posteriores criações legitimas em âmbitos nacionais, continentais e mundiais. No entanto, nem por isso podem carregar o selo de originalidade que só as federações são capazes de oferecer. Assim foi com o Troféu Sur Thomas Lipton em 1909 e 1911, conhecido por ser o primeiro torneiro de clubes internacional da história desse esporte. Mesmo tendo sua importância histórica reconhecida pela FIFA, o certame contava apenas com clubes europeus e foi organizado por federações nacionais, impossibilitando completamente seu considerativo autodenominado de mundial de clubes. Assim como o torneio intercontinental que era disputado até 2004 pelos campeões da Libertadores e da Uefa Champions League; confronto promovido por confederações continentais e que não ofereciam chances a outros cenários do futebol além de América do Sul e Europa.

A Copa Rio de 1951 passou muito perto de ser de fato o primeiro mundial de clubes da história do futebol, sendo idealizado e construído a partir do mundial de seleções de 1950 por figuras do mais alto escalão da federação internacional.

Rio de Janeiro, junho de 1950

A Copa do Mundo se mostrava um grande sucesso, era o retorno do futebol internacional após a segunda guerra e os amantes do esporte estavam em êxtase. O feito se mostrou tão magnífico, que Jules Rimet, então presidente da FIFA, manifestou a vontade de realizar um Torneio Mundial de Clubes já no ano seguinte. A ideia, então, foi levada ao presidente da CBD pelo vice-presidente da federação internacional, o italiano Otto Barassi. O mandatário da entidade máxima do futebol brasileiro na época era o Sr. Rivadavia Corrêa Meyer, que presidiu também o Botafogo por alguns anos. A FIFA sugeriu à CBD a realização do torneio no Brasil por entender que o país estaria preparado, pois havia recebido muito bem o mundial de 50 após longos anos de paralização global no esporte. Rivadavia, por sua vez, sabia que precisaria ter o apoio do governo brasileiro, pois o país vivia em regime de ditadura militar e Getúlio Vargas teria que aprovar a ação. 

Após o fim da Copa do Mundo, a CBD tratou de confirmar com o governo nacional a autorização para um novo mundial, dessa vez, de clubes. A presidencia da república não se opôs, pelo contrário, viu como uma grande oportunidade econômica, tendo em vista o sucesso da Copa de 50. Ainda em 1950, em agosto, começaram as comunicações entre a confederação brasileira e a FIFA para tratar das diretrizes a serem adotadas, como a escolha dos participantes e a forma de disputa. Segundo edição do Diário Carioca de 5 de agosto de 1950, dois representantes da CBD viajaram à Itália ao fim de julho daquele mesmo ano sem informar o assunto, e ao que tudo indica, o motivo seria um encontro com o Dr. Otto Barassi. Todos esses acontecimentos foram revelados mais tarde, pois as tratativas seriam oficializadas em janeiro de 1951.

Rio de Janeiro, janeiro de 1951




A edição de 3 de janeiro de 1951 do Jornal Brasil noticiava a visita do vice-presidente da FIFA ao país, o motivo seria a avaliação da possibilidade da realização de um torneio mundial de clubes no Rio e em São Paulo em junho e julho daquele ano. O que o jornal não sabia é que as negociações já estavam avançadas, e as tratativas naquele momento eram apenas em relação aos participantes. Otto Barassi trazia a informação de que a FIFA estava em negociação com os principais clubes campeões da Europa, mas que as coisas não estavam fáceis. Esse momento seria crucial para a legitimidade da competição, já que os organizadores definiram inicialmente que seriam convidados os campeões dos países participantes da Copa de 1950, porém, problemas logísticos e financeiros informados por alguns clubes reduziram o número de 16, para 8 agremiações. 

O Brasil teria dois representantes, e como não haviam competições nacionais antes de 1959, foram escolhidos os campeões de São Paulo (Palmeiras) e Rio de Janeiro (Vasco). Portugal foi agraciado com uma vaga por sua relação afetiva com o Brasil, e os demais participantes foram definidos pelos outros 5 países mais bem colocados no mundial de seleções um ano antes. Para a federação internacional as regras estavam perfeitas, pois na teoria os principais clubes do velho continente estariam presentes na disputa. O golpe duro para o projeto aconteceria em abril de 1951, dois meses antes do início do torneio. 

Após terem se mostrado inclinados a aceitar a participação na Copa Rio, os campeões da Espanha (Atlético de Madrid), Inglaterra (Portsmouth) e Suécia (Malmö FF) desistiram da aventura, o que na visão da Federação Internacional desacreditaria o campeonato. Para substituir, foram chamados os campeões da Áustria, França e Iugoslávia. A FIFA, então, tomou a decisão de retirar-se da organização, oferecendo apenas apoio logístico aos clubes do velho continente e autorizando a realização dentro de seu calendário. A CBD, que já havia recebido o apoio do governo federal e créditos totais dos clubes do Brasil, manteve os planos e realizou o torneio. 

Abaixo uma entrevista de Jules Rimet em maio de 51, onde afirmava que o Torneio de Clubes Campeões (Copa Rio) era de competência exclusiva da Confederação Brasileira de Desportos. Essa declaração é crucial para o entendimento da oficialidade da competição, que apesar de organizada dentro dos padrões federativos, não pode jamais ser chamada de primeiro mundial de clubes. Entretanto, por ter sido organizada pela CBD, também não pode ser chamado de torneio amistoso ou extraoficial, mas sim, Copa Nacional com convidados internacionais. 






O Palmeiras conquistou a edição de 1951 e o Fluminense venceu em 1952, os dois buscam até hoje o reconhecimento da federação internacional sobre a importância do título. No entanto, a FIFA reconhece a Copa Rio apenas como a primeira tentativa de criação de um torneio mundial de clubes, sendo o mundial de 2000 o primeiro verdadeiramente concebido pela federação. 

Como já disse aqui nos artigos sobre o brasileirão de 87 e o sul-americano do Chile em 48, se não nos basearmos na oficialidade apresentada dos moldes organizacionais, correremos sempre o risco de banalizar conquistas que realmente merecem tal reconhecimento. A lembrança feita pela FIFA em relação à Copa Rio é a única possível, afinal, a mesma não passou de uma tentativa importante e mal sucedida de internacionalizar as competições entre clubes.


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