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A história oculta de um Madrid Real


Hoje conhecido como um clube multi-campeão, milionário e cheio de glamour; o Real Madrid se tornou parâmetro de sucesso e conquistas. Mas, como tudo na vida, houve um começo - que nem sempre se trata da fundação. 

Certo dia, em conversa com um amigo, discutíamos sobre o que creditaria um clube a ser apontado como o maior da história, ou, até mesmo, de um país. Apesar de nossas visões serem distintas em alguns pontos, concordamos em uma coisa: títulos não podem ser o único critério. Basear-se apenas por conquistas seria deixar algo tão importante à mercê dos números; o mais gelado dos termos de comparação. Sim, é óbvio que conquistas são importantes, que levantar troféus é e sempre será sinônimo de respeito dentro do esporte, negar isso é quase um insulto à inteligência. Porém, deve se levar em consideração outros fatores, mas, a meu ver, a história deve ser a base de qualquer debate.

Nesse artigo tentarei mostrar, baseado em fatos, os motivos pelos quais jamais considerarei o Real Madrid Club de Fútbol, o maior clube do mundo. Acredito que, por mais que o mundo tente nos mostrar o contrário, os fins não justificam os meios - ou não deveriam.

A fundação: legítima e com uma ironia capaz de apequenar gigantes


Imagem: realmadrid.com


Fundado em 6 de março de 1902 como Madrid Football Club, o hoje Real Madrid leva em sua essência vestígios de uma terra que seria anos mais tarde abominada por seus representantes. Mais à frente entenderemos o imbróglio envolvendo espanhóis e catalães; algo que vai muito além das quatro linhas. O que precisamos saber agora é que o Real Madrid fora fundado por dois irmãos catalães, Juan e Carlos Padrós. Os irmãos, nascidos em Barcelona nos anos de 1860, foram os grandes idealizadores do Madrid, sendo também os primeiros máximos comandantes - presidente e vice-presidente. 

Mesmo com essa ligação vital com a capital catalã, mandatários posteriores aos irmãos Padrós em inúmeras oportunidades manisfestaram preconceito e ódio pelo povo catalão, que lutam até hoje pela independência da região. Um exemplo disso aconteceu no final da década de 1960, quando o então presidente merengue, Santiago Bernabéu, afirmou: "Eu aceito e até gosto da Catalunha, apesar dos catalães". O Real Madrid, a partir da ditadura, sempre renegou seu passado, ignorou o fato de que o clube de futebol escolhido pelo ditador do país para representar a Espanha mundo afora, tinha sangue catalão, cujo o povo foi oprimido durante os anos da ditadura franquista. 

Espanha X Catalunha: Além dos campos


Imagem: uol.com


A Catalunha é uma terra de cultura, língua e estilo próprio, uma gente que sempre defendeu a tese de que jamais precisou da Espanha para nada. 

Resumindo a história: a Catalunha jamais conseguiu ser de fato uma república independente, mas teve em grande parte de sua história um governo autônomo, que cultivara e incentivava os costumes da região, mesmo que sob o domínio de outra nação. Entre os anos de 1640 e 1652, a Catalunha esteve sob proteção da França, mas os custos para a região eram muito altos, os impostos subiram demais, e a reconquista espanhola do território acabou sendo até benéfica para os catalães. No entanto, a França não desistiria. Até que em 1659, sob os termos do tratado de Pirinéus, encerrava-se o confronto entre espanhóis e franceses. 

Outro capítulo importante do conflito aconteceu em 1714, quando após vencer a guerra da sucessão espanhola, o Rei Felipe V da Espanha, aboliu toda e qualquer instituição não castelhana, proibindo a utilização de qualquer idioma que não fosse o castelhano em documentos ou qualquer outro ato oficial. Esse fato é lembrado até hoje pela torcida do Barça, que em todos os jogos no Camp Nou,  exatamente aos 17 minutos e 14 segundos (1714), protesta pedindo "independência!", lembrando o episódio que ficou conhecido como 'O cerco de Barcelona'

Em 1914, devido a grande evolução industrial e a retomada da democracia, se instituiu o novo governo autônomo catalão - semelhante ao atual modelo. Porém, após a guerra civil e o inicio da ditadura franquista, iniciou-se mais um período de opressão ao povo e a cultura catalã,  algo que durou algumas décadas e custou muito caro ao povo da região. O FC Barcelona se tornou um símbolo da resistência, algo que trouxe sérias consequências. Mas, por outro lado, um certo clube da capital teve uma elevação considerável de patamar; passando de um clube pequeno e modesto, e se transformando na grande potência do futebol europeu a partir do final dos anos 1940.

A história oculta de um Madrid Real 


Imagem: realmadrid.com

No inicio do século XX o futebol espanhol era movido por torneios regionais, pois ligas e copas nacionais ainda não tinham a força necessária. O Madrid não teve muitos êxitos no extinto torneio de Madrid e a Copa Castilha, não conquistando nenhuma edição até a fim das competições. Em 1920 o Rei Afonso XIII concedeu ao clube o título 'Real', dessa forma, alterando seu nome e passando a se chamar Real Madrid Club de Fútbol. Ainda faltavam títulos, um grande Estádio que fosse próprio e jogadores que levassem o nome do Real Madrid para o resto do mundo. Mas como poderiam fazê-lo? Como ganhar dinheiro a ponto de transformar um clube comum, em uma potência ao nível dos clubes ingleses da época? A resposta viria alguns anos mais tarde. 

Desde o início da Ditadura em 1939, como num passe de mágica, o Real Madrid ganhara força, dinheiro para a contratação de bons jogadores e até mesmo a garantia de poder jogar sem custos no municipal Estádio Chamartín, utilizado pelos merengues como sua casa antes da construção do Estádio Santiago Bernabéu. Nesses primeiros anos o salto foi mais evidente em termos de elenco, mas ainda faltava alguma coisa. Os títulos nacionais não chegavam e, por outro lado, os representantes da capital viam de longe o crescimento econômico e desportivo do Barcelona. 

Os altos investimentos começariam em meados da década de 1940, quando o clube, que passava por sérios problemas financeiros, resolvera construir um novo e moderno Estádio. O país se recuperava dos prejuízos causados pela guerra civil, e uma construção assim seria cara demais para qualquer instituição esportiva da época. O terreno já fora escolhido, e seria erguido sobre o antigo Estádio Municipal de Chamartín. O espaço pertencia a prefeitura, que como forma de 'apoio', o cedeu aos merengues. No dia 22 de junho de 1944, o grande passo para a mudança de patamar era dado: o banco Mercantil Industrial de Madrid libera o crédito necessário para a construção do novo Estádio. A negociação, bastante rápida, foi encabeçada pelo então presidente da instituição bancária, Rafael Salgado, e o presidente do próprio Real Madrid, Santiago Bernabéu. 

Termo de liberação das 987 mil pesetas liberadas pelo banco mercantil em 1944. 

Pelo momento atravessado pela Espanha em 1944, era impensável que a obra fosse concluída em menos de  8 anos,  levando em consideração o custo excessivo que haveria em caso de aceleração dos trabalhos. No entanto, quando a conta é paga com dinheiro público, esse impasse não existe. Em inimagináveis 3 anos - entre 1944 e 1947 - um estádio com capacidade para mais de 75 mil pessoas fora levantado no centro da capital espanhola em uma velocidade jamais vista até então. Em conversa com o jornalista catalão Miguel Ángel Ruiz, diretor do programa 'El 10 Del Barça', o mesmo afirma que: "A história conta que utilizavam como obreiros os presos políticos, presos convencionais dos presidios... tudo o que você possa imaginar de mais baixo. Esse episódio é o que os espanhóis chamam de 'chamartinazo', pois os antigos donos do terreno foram enganados (o espaço teria sido tomado de forma mal explicada pelo governo, e mais tarde, entregue ao clube merengue), tanto que até hoje existe uma briga judicial por conta disso. O país passava por um crise sem precedente em sua história, nunca na Espanha as pessoas passaram tanta fome como no pós guerra civil. Enquanto isso, o Real Madrid, com forte ajuda franquista, construía um estádio luxuoso. Santiago Bernabéu foi soldado do regime de Francisco Franco, e conseguiu com suas conexões transformar o Madrid no clube do regime militar, conseguindo assim a liberação de um crédito que não existia, principalmente naqueles tempos de caos".  O palco estava montado, e o passo seguinte seria comprar elencos capazes de vencer tudo, independente do quê isso custaria.


Daquele momento em diante os campeonatos nacionais ganhariam força. Vencer um time tratado como joia do governo tornava-se o grande desafio a partir de 1947. Os mandatários merengues só não imaginavam que, mesmo com toda a repressão e censura existente na Catalunha, a mesma teria um crescimento econômico tão grande naqueles anos. Com isso, o FC Barcelona se estabeleceu como uma grande força no país, deixando para trás os clubes da capital. O time do Barça, que tinha como grande destaque o atacante César Rodriguez e, posteriormente, Ladislao Kubala; venceu 4, das 6 ligas sequentes a inauguração do novo Estádio madridista; uma afronta aos interesses governamentais. Foi quando em 1953, sob os olhares atentos de Francisco Franco, Barcelona e Real Madrid disputaram de maneira ferrenha a contratação do argentino Alfredo Di Stéfano. O resultado todos já sabem (quem não sabe, clique aqui e conheça a história no detalhe), e com a chegada do jogador e de mais alguns grandes nomes da época, o Real Madrid se reforçou dentro de campo, pois fora de campo  o exército já estava bem entrosado.

'Vamos às copas'

1955-56


Por que questionar conquistas aparentemente tão significantes? Muitos me perguntam isso, pois há uma crença mundial de que "o Real Madrid é invejado por todos pelo tamanho das suas glórias". Trarei alguns dados interessantes a partir de agora, algumas questões precisam ser analisadas, afinal, a forma de disputa da "grande" competição europeia, atualmente conhecida como Uefa Champions League, era, no mínimo, esquisita - ou questionável. Em 1955, ano em que a competição fora criada, a mesma era formada por convidados da revista francesa L'Equipe, e, apesar de chamar-se inicialmente Torneio dos clubes campeões europeus, contaria com apenas '7' campeões nacionais na edição de estreia. A ideia era que a regra básica para participar fosse bem simples: ser campeão nacional de seu país na temporada anterior. No entanto, algo mudou quando o então presidente do Real Madrid, Santiago Bernabéu, assumiu a vice-presidência do comitê de organização da competição. Dessa forma, algumas regras foram alteradas "para o bem de todos".

O Real Madrid, por um motivo jamais declarado, conseguiu alguns privilégios logo de cara. Primeiro, os merengues tiveram a possibilidade de escolher o adversário, algo que se repetiria nas edições posteriores. Depois, zombaram da sociedade futebolística ao poderem também escolher onde a eliminatória seria decidida, optando, claro, por resolver em casa. Mas, o motivo da escolha do adversário tinha também um viés político. O oponente escolhido por Bernabéu foi o Servette de Ginebra, time que acabara apenas em 6º lugar na liga suíça de 1954-55. Mas como supracitado, haviam interesses políticos, e o presidente merengue aproveitaria a viagem à Suíça para visitar a família real espanhola, instalada em Lausana. O Real Madrid bateu o time suíço sem nenhum problema, classificando-se assim para disputar as quartas de final. Mais um sinal da diferença de tratamento dado ao Real Madrid em comparação aos demais clubes espanhóis na época, aconteceu quando conheceu-se o adversário merengue nas quartas. O Partizan Belgrado, time yugoslavo, eliminara o Sporting de Portugal nas oitavas; um resultado surpreendente. Até aí tudo bem. O problema era que, uma das duras regras do regime franquista, era que nenhum clube/desportista espanhol poderia de forma alguma participar de qualquer evento esportivo contra/com qualquer oponente de países do leste europeu, dos quais seu regime não tinha nenhum tipo de relação diplomática. A questão é que as regras mudavam rápido, a burocracia parecia diluir-se mediante aos apelos madridistas; algo 'comovente'. O Madrid foi autorizado a disputar a eliminatória. Passou, vitória no Novo Chamartín (Atualmente Santiago Bernabéu) por 4 a 0; e derrota em Belgrado por 3 a 0. 

Fatos históricos passaram a acontecer a partir das semifinais. Com a má sorte pela chave, o Madrid enfrentaria o então poderoso Milan nas semifinais; um risco que o clube blanco não poderia correr. Por isso, os árbitros passaram a ter uma recepção diferenciada na capital espanhola.

Gregório Paunero, Diretor madridista entre 1953-1980
Em 2015, o documentário produzido pelo catalão Carlos Torrás entrevistou várias testemunhas dos estranhos fatos que ocorriam na época. Dentre essas pessoas estava o ex-diretor esportivo do Real Madrid, o empresário Gregório Paunero Martin. Paunero, sem titubear, afirmou que os árbitros e suas esposas eram recebidos com flores e outros presentes, e convidados a juntar-se aos diretores madridistas para longos jantares às vésperas dos jogos. Claro, o ex-diretivo afirmou que tratava-se apenas de uma singela cortesia, e que jamais houvera nenhum tipo de acordo ilícito com os homens do apito. Gregório faleceu em fevereiro de 2017.

O Real Madrid garantiria passagem à final com vitória em casa por 4-2, e derrota por 2-1 em Milão. No dia 13 de junho de 1956, os 'galáticos' de Santiago Bernabéu entraram em campo no Parque dos Príncipes, em París, contra o Stade Reims, pela final do primeira "Copa L'Equipe" - nome esse que soaria bem mais apropriado, caso fora. O jogo terminou com vitória blanca pelo placar de 4-3, uma partida altamente disputada que seria resolvida nos instantes finais.

Assim encerrava-se a primeira Taça dos clubes campeões Europeus: cheia de polêmicas e com apenas 7 campeões nacionais de seus países como participantes. Contudo, ela havia acabado apenas dentro das quatro linhas, pois uma manobra a mais seria feita pela organização da competição  encabeçada por Bernabéu: no ano seguinte, o atual campeão teria sua participação garantida e a sede da final seria o Estádio do mesmo. Com isso, o Real Madrid, que havia perdido a liga de 1955/56 para o Athletic Bilbao, teve seu acesso a competição do ano seguinte assegurado, mesmo sem ser o atual campeão espanhol. Pelo regulamento original, o campeão não tinha o seu acesso garantido ao torneio do ano seguinte, precisando do título de sua liga nacional para garantir o passe. Mas, afinal, qual o problema de mudar um regulamento sem aprovação dos demais clubes, e no apagar das luzes?

1956-57

Time do Real Madrid 1956-57
A temporada 1956/57 já demonstrava que a dinastia merengue seria algo difícil de evitar. Além do elenco, que era recheado de bons jogadores, o favorecimento era evidente. Na liga, as recepções aos árbitros seguiram firmes, tornando-se algo bastante comum às vésperas de jogos decisivos. Pela competição continental, mais um vez o adversário da estreia fora escolhido à dedo. Naquele ano, o Rapid Viena, da Áustria, teria a honra de enfrentar o então atual campeão europeu, agora, nas oitavas de final.

Para falar sobre esse confronto, entrevistei o jornalista espanhol Fernando Tarrio, profundo conhecedor da história do futebol espanhol. Após dois jogos e uma vitória para cada lado, o poder de negociação madridista foi crucial para o desfecho da eliminatória. Fernando detalhou com exclusividade para o elclasicosports.com:

O que aconteceu com o Rapid Viena foi seguinte: O Real Madrid venceu o jogo de ida no Bernabéu pelo placar de 4-2, na volta, sofreu uma derrota inexplicável em Viena por 3 a 1. Se houvesse na época a regra de o gol marcado fora de casa servir como critério para desempate, o Real Madrid estaria eliminado. No entanto, não tínhamos esse formato instituído. O que aconteceria então? Partida desempate em um campo neutro. 
A direção do Real Madrid, por sua vez, começou a realizar contatos para negociar algo diferente. Após várias reuniões com a direção do clube austríaco, decidiu-se que a partida seria disputada no Santiago Bernabéu, que na época, tinha capacidade para 129.000 espectadores. Em troca, o Rapid Viena ficaria com uma boa parte dos rendimentos do jogo, e a direção do Madrid arcaria com todos os custos de deslocamento e hospedagem. Não é como hoje em dia, antigamente, eles pagavam e simplesmente conseguiam o que queriam. 
 Fernando Tarrio, jornalista da ETV


Por fim, no jogo desempate, os merengues venceram em casa por 2 a 0, garantindo vaga para as quartas de finais.

Contra o Nice, nas quartas, vitoria por 3 a 2 na França e triunfo no Bernabéu por 3 a 0. A semifinal seria mais uma vez a prova de fogo. O adversário? O temido Manchester United. Porém, os merengues estranhamente não contaram com muita resistencia do Diabos Vermelhos,  que mesmo contando com todas as suas principais estrelas, assistiu aos blancos no jogo de ida: vitória do time da casa por 3 a 1. Reza a lenda, que a recepção feita pelos soldados de Francisco Franco na chegada dos ingleses à Madrid, não fora assim tão amistosa. A partida de volta seria apenas um cumprimento de tabela: empate em Manchester por 2 a 2, e vaga garantida pelos espanhóis para mais uma final.

O árbitro Leopold Sylvain Horn apita pênalti a favor do Real
A final seria contra a Fiorentina, equipe italiana que ainda não havia enfrentado nenhum grande adversário naquela edição da competição. Com a decisão no Estádio Santiago Bernabéu, era difícil imaginar que o Real Madrid perderia aquele confronto. Os motivos para tal certeza eram evidentes: as forças externas e a qualidade das equipes.

No dia 30 de maio de 1957, Real e Fiorentina pisaram no gramado do Bernabéu sob os atentos olhares do governo Franco e de mais 124.000 pessoas. Segundo relatos de testemunhas e jornalistas que cobriam a partida na época, a Fiorentina massacrou o Real Madrid na primeira etapa. As escapadas pelo lado esquerdo da defesa merengue com o atacante Giuseppe Virgili, causavam pânico na zaga blanca, formada naquele dia pelos zagueiros Torres e Marquitos. Até que aos 70 minutos de jogo, em um contra-ataque puxado por Di Stéfano, o mesmo encontrou Mateo, que disparou em direção à área e, quando se aproximava dela, sofreu a falta, cometida pelo zagueiro Cervatto. A imagem abaixo deste parágrafo mostra com perfeição que a infração fora cometida há centímetros da linha da grande área, algo que revoltou Giuseppe Virgilli, que mesmo anos mais tarde, disparou: "Um pouco antes do pênalti houve um chute, meu, onde a bola claramente ultrapassara a linha, mas eles não deram. Não merecíamos perder, mas o árbitro cuidou de tudo!". Di Stéfano bateu o pênalti e abriu o placar. Depois disso, os italianos se perderam em campo. Aos 75 minutos, Paco Gento deu números finais ao encontro: 2 a 0. Paco, aliás, falou ao Diário Marca logo após a partida: "Di Stéfano marcou um gol por meio de pênalti duvidoso, na hora que ele marcou (o pênalti) eu percebi que o Mateo estava fora da área."


Momento exato da marcação do pênalti sobre Mateo, atacante merengue.

Fernando Tarrio comentou sobre essa final também, e, com exclusividade para o El Clásico Sports. Confira:
Então, a segunda Copa Europa do Madrid, que participou por meio de uma regra burlada, sem ser campeão de Liga, teve: uma compra de mando de jogo desempate contra a Rapid Viena; favores de arbitragem, em especial contra a Fiorentina; a honra de jogar a decisão em seu estádio, também por uma mudança de regra; e um assalto histórico a seu favor na grande final. Tremendo campeão! 
Fernando Tarrio


Mais uma Copa da Europa se encerrava, e ao contrário do que aconteceu um ano antes, as alterações não beneficiariam os madridistas. A tal regra que transformava o Estádio do atual campeão em sede da final seguinte, seria eliminada, e as sedes passariam a ser escolhidas com antecedência e contando vários candidatos. O jornalista José Maria Garcia, um dos entrevistados do documentário "A lenda negra da glória branca (La leyenda negra de la gloria blanca)", afirmou que "algumas ações tinham como único foco desviar a atenção, para que o favorecimento não ficasse tão evidente". Alterar uma regra que favoreceria os atuais bicampeões europeus fora mesmo um golpe de mestre, pois na copa seguinte, fatos bizarros foram ignorados.

O árbitro inglês Arthur Edward Ellis, um dos principais da época, foi impedido de trabalhar na competição europeia na edição 1957/58. Ninguém jamais explicou a situação. Na Inglaterra, entretanto, Edwards declarou que sabia porque fora excluído do quadro de árbitros. Em entrevista ao 'The Guardiam', antes mesmo do início dos jogos em junho de 1957, o mesmo explicou que recusou presentes enviados pela direção merengue; algo que o colegiado afirmou "não ter sido bem recebido pelos blancos." Contudo, a influência do Real Madrid junto ao comitê organizador da Copa da Europa era impressionante, tendo inclusive, Santigo Bernabéu como vice-presidente do órgão - como dito anteriormente. Assim, a repercussão desse episódio foi bastante pequena, não passando de boatos encarados como pura "teoria da conspiração".   

General Franco entrega a taça ao capitão madridista em 57, no Santiago Bernabéu


Vale recordar, que o regime do ditador Francisco Franco se aproveitou muito da publicidade que o Real Madrid lhe deu a partir daqueles anos. Após a final de 1957, realizada no Estádio Santiago Bernabéu, a foto de Franco entregando a taça ao capitão madridista correu por toda Europa, deixando a imagem do tirano um pouco mais humana. Já não havia como dizer que Franco só pensava em poder e terror, mas também, que o futebol o encantava. O governo espanhol investiu dinheiro, burlou sistemas e acabou com qualquer burocracia existente para que o Real Madrid se transformasse em uma grande potência, um custo gigantesco. Seria muita inocência pensar que tudo isso aconteceu por que o general era torcedor fanático da instituição, longe disso.

Francisco Franco era um homem de negócios, e não arriscaria seu governo por algo por questões passionais. O Real Madrid, por seu nome, que ficara mundialmente conhecido, e suas conquistas, devolveu todo o investimento com juros e correção monetária. O ditador conseguiu que outros países, como a Inglaterra, por exemplo, olhasse para a Espanha com outros olhos, mesmo sendo ela governada por um ditador. Isso lhe trouxe gigantes operações comerciais, das quais não existiriam sem o Real Madrid de Santiago Bernabéu e Di Stéfano. Claro que isso não deixa a história menos asquerosa, pois muito do conquistado até então, se lograra por meio de condutas altamente anti-desportivas e corruptas. 

1957/58

Imagem do avião do Manchester United, 1958
Chegamos a edição 1957/58, onde os demais países já olhavam para a copa da Europa com outros olhos, em especial, os ingleses. Os campeonatos nacionais sempre tiveram muita importância na Inglaterra, por isso, os clubes da terra da rainha ignoraram a competição continental na primeira edição, e olharam torto também na edição seguinte. Mas isso foi mudando com o passar dos anos. O Real Madrid, que disputou a edição anterior por manobra política, dessa vez entrava como atual campeão, sendo acompanhado na Espanha pelo Sevilla, vice-campeão espanhol em 1956/57. Mas, a temporada europeia de 1957/58 ficaria marcada para sempre por um episódio trágico: o desastre aéreo de Munique, que matou 8 dos principais jogadores do Manchester United, em 6 de fevereiro de 1958. Os atletas voltavam da Yugoslávia, onde o time enfrentou o Estrela Vermelha pelas quartas de final da Copa da Europa. 

Da terceira edição em diante, os apoios ao Real Madrid passaram a ser menos necessários, porém, não deixaram de existir. O que ficava muito evidente, era o fato de não existir burocracia quando se tratava dos bicampeões europeus. Hoje em dia, existe um limite de jogadores estrangeiros por clube no futebol espanhol, os chamados extracomunitários. Essa regra vale para jogadores de países que não fazem parte da união europeia, como os sul-americanos, por exemplo. Foi justamente nos tempos do regime militar que essa fiscalização passou a ser bastante severa. Porém, quando os merengues contrataram Di Stéfano em 53, o Madrid já contava com uruguaios e argentinos no elenco que ultrapassavam a cota máxima, mesmo assim, o astro ex-River foi inscrito sem maiores problemas, pois o clube alegou que ele era descendente de espanhóis e tinha direito à cidadania. O mesmo aconteceu em 1957, quando às vésperas do inicio da temporada, Santiago Bernabéu acertou a contratação do uruguaio Santamaria e a do argentino Dominguéz, que foram escritos de um dia para outro sob a mesma alegação: descendência espanhola. 

O Real Madrid eliminou nas oitavas de final - referente à primeira fase - o fraco Royal Antwerp, da Bélgica: 5 a 2 no agregado. Nas quartas de final, os merengues massacraram o Sevilla, vitória em Madrid por 8 a 0, e na Andaluzia empate em 2 a 2. Nas semifinais o time de Di Stéfano e companhia eliminou o Vasas da Hungria. No Bernabéu vitória merengue por 4 a 0, jogo em que o time húngaro pressionou muito o Madrid na primeira etapa, e ainda no final da mesma, após uma grande confusão, três jogadores do Vasa acabaram expulsos. Os madridistas foram poupados pelo árbitro francês Maurice Guigue. Na volta, na Hungria, o Real Madrid perdeu por 2 a 0. Mesmo assim, a vaga na final estava assegurada. 

A final foi disputada no Estádio Heysel, em Bruxelas (Bélgica), contra o Milan. O acontecido em Madrid um ano antes foi bastante comentado pelos jornais italianos nos dias que antecederam a partida, até por isso, o árbitro belga Albert Alsteen não deu as caras até o início do confronto. No fim, em um jogo bastante disputado, o Real Madrid venceu por 3 a 2, conquistando o seu terceiro título. 

1958/59

Franco e Bernabéu em 1958
A temporada começou mais uma vez com uma contratação bombástica no Real Madrid: Puskas, astro húngaro se juntaria à constelação. O problema, em tese, era que Puskas viria de um país do leste europeu e, até então, os clubes espanhóis eram proibidos de importar jogadores com essas nacionalidades. No entanto, como em um piscar de olhos, Ferenc Puskas ganhara cidadania espanhola,  chegando, inclusive, a atuar em quatro amistosos com a camisa de "la roja". 

A contratação do húngaro seria fundamental, uma adição preciosa para um time que já contava com muitos bons jogadores. O Real Madrid ganhava cada vez mais força internacional, uma mina de ouro para o governo franquista. Puskas foi apresentado por Bernabéu no palácio do governo de Franco, em um jantar de gala oferecido por ele. 

Puskas e Santiago Bernabéu 
A Copa em si já estava condenada a ter como campeão aquele Real Madrid, que por mais um ano era abastecido por forças obscuras e favores silenciosos. Como atual campeão, levou consigo o vice-campeão espanhol, o Atlético de Madrid. 

O caminho do tetra foi como nas edições anteriores: cheio de polêmicas e histórias mal contadas. Santiago Bernabéu, alegando questões de logística - o que não fazia nenhum sentido, fez força para que o Real Madrid caísse na chave onde o vencedor do confronto entre o próprio Madrid e o Besiktas, da Turquia, enfrentasse o vencedor do jogo entre Wiener (Áustria) e Dukla Praga (República Tcheca). Mesmo com isso, o time passou trabalho contra o Besiktas: vitória no agregado por 3 a 1. Nas quartas de finais um novo escândalo: na partida de volta contra o Besiktas, ainda na fase anterior, Alfredo Di Stéfano foi expulso, e teria que ficar dois jogos fora de combate - segundo o regulamento. Na primeira partida da eliminatória, contra o Werner, os merengues passaram sufoco, empatando na Áustria em 0 a 0. Para surpresa de todos, o time blanco aparece para a partida de volta com a liberação do argentino, que poderia então disputar o confronto decisivo. Resultado: Di Stéfano marcou 4 gols e o Real Madrid garantiu a classificação para a fase seguinte com um sonoro 7 a 1. 

Nas semifinais um confronto que poderia muito bem ser resolvido apenas dentro de campo, já que o adversário merengue também era de Madrid: o Atlético de Madrid. Aquela semifinal foi apertada ao extremo, e precisou de um terceiro jogo para ser resolvida. Os colchoneros deram muito trabalho, e a vitória merengue por 2 a 1 no Bernabéu não resolvera nada. Na volta, o Atlético venceu por 1 a 0, e mais uma vez eliminaria o Real Madrid se a regra do gol fora de casa estivesse em vigor. A terceira partida, talvez pelo fato de ser disputada por dois espanhóis, não teve força merengue para que fosse disputada no Bernabéu. O jogo aconteceu no La Romareda, em Zaragoza, e terminou com vitória do Real por 2 a 1; gols de Puskas e Di Stéfano. 

Na final, em Stuttgard contra Stade Reims, o Real Madrid não teve problemas para bater o fraco time francês: 2 a 0. 

1959/60

Em 1959, finalmente, o adversário do qual o governo Franco não poderia nem imaginar vencendo a Copa da Europa, estrearia na competição: o FC Barcelona. No entanto, aquele time do Barcelona havia perdido força, Kubala não era mais o mesmo, e com seus 32 anos já não teria condições de ser o jogador que fora alguns anos antes. A classificação do Barcelona à Copa da Europa chegou a ser revogada pelo regime, que entendia que um clube da Catalunha, uma região independentista, não poderia representar o país em um torneio internacional. Cogitou-se a possibilidade de levar o Athletic Bilbao, 3º colocado na liga. Mas, os demais clubes se manifestaram severamente contrários ao posicionamento do governo espanhol, o que ameaçou inclusive a realização da competição naquele ano. Franco voltou atrás, e o Barça finalmente estreava na competição.

Barça e Real nas semifinais da Copa da Europa 1960
Os culés não tiveram a mesma "sorte" que o Real Madrid, e pegaram um duro adversário logo de cara. Após eliminar o CSKA na fase preliminar, os catalães cruzaram com o Milan, e mostraram o porquê do temor merengue: vitória na Itália por 2 a 0, e em Barcelona por 5 a 1. Na mesma fase (oitavas de final), o Real Madrid enfrentara o Jeunesse Esch, de Luxemburgo, o qual vencera por 12 a 2 no agregado. Na fase seguinte, o Real Madrid enfrentaria o Nice, time francês que daria trabalho no jogo de ida, que acabou com vitória do time da casa por 3 a 2. Na volta, em Madrid, 4 a 0 para o Real. O jogo decisivo teve um fato curioso: a partida estava 2 a 0 para o Real Madrid, quando o árbitro Eduardo Gouveia (Portugal) marcou pênalti sobre Di Stéfano, isso aos 47 da etapa inicial. O mesmo bateu e desperdiçou, jogando fora a chance de matar o jogo. Mas, de maneira inexplicável, o português ainda permitiria 5 minutos de bola rolando no primeiro tempo, chegando aos 53'. Até que em bola na área francesa, o próprio Di Stéfano marcou de cabeça o terceiro gol madridista. Após a partida, o árbitro disparou a seguinte pérola: "Na hora que eu marquei o pênalti eu parei o cronômetro, e depois acabei esquecendo de reativá-lo". O Barcelona, por sua vez, teria pela frente o atual campeão inglês, o Wolverhampton. Vitória blaugrana por 9 a 2 no agregado (4 a 0 no Camp Nou e 5 a 2 na Inglaterra). 


El Clásico, Copa da Europa - 1960
O destino juntaria nas semifinais os dois grandes favoritos para aquela edição: Real Madrid e Barcelona. O El Clásico, como já era conhecido, foi amplamente dominado pelo Barça até os 40, quando a mudança de patamar do Real Madrid equilibrou as coisas. As movimentações políticas seriam fortíssimas, evidentemente, pois uma derrota merengue seria um golpe duríssimo ao madridismo, que mesmo com tanto apoio, perdera a liga para esse mesmo Barça em 1959.

A primeira partida,  no Santiago Bernabéu, em 21 de abril de 1960, esteve recheada de confusão. Jogo nervoso, onde ninguém queria perder. Francisco Franco estava nas tribunas, e os soldados do regime cercavam a entrada dos vestiários. A pressão era tanta, que alguns jogadores do Barça pediram para serem substituídos, alegando ameaças vindas diretamente dos guardas. Um dia antes, na sede do Real Madrid, o árbitro alemão Reginald Leafe teve uma recepção digna de rei, como ele mesmo contou 17 anos depois em entrevista à Cadena Ser: "Fui recebido como se fosse uma autoridade internacional, como um Rei!". Na partida, contudo, a maior ajuda que o Real Madrid obteve foi a instabilidade emocional de um pressionado Barcelona. Os merengues passaram por cima, vitória por 3 a  1 e uma vantagem gigantesca para a volta. No Camp Nou, o Barça partiu para o ataque sem pensar no dia de amanhã, e a consequência foi mais uma dura derrota: novamente 3 a 1, e no agregado, um 6 a 2 difícil de engolir.

Na final, o Real Madrid enfrentou o Eintracht Frankfurt da Alemanha, uma partida que serviria apenas como cumprimento de tabela, pois a disparidade entre os times era enorme, o que se refletiu no placar: 7 a 3. O Madrid conquistava a sua quinta Copa europeia, algo inédito até hoje na história. Mas, afinal, foram legítimas? De fato, o elenco montado pelo clube blanco era simplesmente fantástico, capaz de vencer qualquer competição. Entretanto, é impossível ignorar algumas questões. 


Nota final: 



Francisco Franco no Estádio Santiago Bernabéu - 1960
A Copa da Europa foi claramente criada para subir o Real Madrid de patamar, afim de, por meio do esporte, promover um governo ditador. Os madridistas foram escolhidos pelo regime por conta do relacionamento entre Santiago Bernabéu e Francisco Franco, soldado e general, que se uniram em prol de uma Espanha mais forte politicamente. As falcatruas, os burlamentos de regras e os incentivos fiscais e financeiros, fizeram com que tudo o que o Real Madrid Club de Fútbol conquistara nesses cinco anos, fosse possível. 

A partir de 1960, as competições domésticas passaram a ser prioridade, pois o Barcelona conquistaria um bicampeonato em 1961 que não estava nos planos do pentacampeão europeu. Desde o inicio da parceria com o governo espanhol em 1940, até o fim da ditadura em 1975, o Real Madrid saltou de 2 títulos espanhóis para 16, e conquistou suas 6 primeiras copas de Rei. Sem contar os títulos da tal Copa da Europa. A Uefa, anos mais tarde, reconheceria os 5 títulos madridistas, unificando aos da atual Uefa Champions League. 


O Real Madrid voltaria a vencer a Copa da Europa cinco anos mais tarde, em 1966. Em 60/61 sofreu a revanche frente ao Barça já nas oitavas de final. Em 61/62, perdeu a final para o Benfica, em um jogo histórico em Amsterdã; 5 a 3 para os portugueses. Na edição número 8, em 1962/63, uma eliminação ainda na fase preliminar para o Anderlech, da Bélgica; 4 a 3 no agregado. Em 64, já sob forte renovação no elenco, mais uma final seria disputada pelo Real Madrid, contra a Inter de Milão, treinada por Helenio Herrera, que era treinador do Barça na fatídica semifinal de 1960. Finalmente Herrera derrotaria o Madrid: vitória da Inter por 3 a 1. Em 1964/65, o Real Madrid não seria forte o suficiente para bater o Benfica de Eusébio nas semifinais; 6 a 2 no agregado. Já em 66, o hexa campeonato seria finalmente conquistado. Com vitória em Bruxelas sobre o Partizan Belgrado por 2 a 1, o Real Madrid conquistava o sexto e último título europeu da Era Franco. Depois disso, os merengues levariam 32 anos para chegar novamente ao topo do velho continente. 

Uma Espanha oprimida, que assistiu aos clubes Vascos e catalães serem obrigados a mudar de nome, e serem proibidos de falar seus idiomas locais até mesmo dentro de campo. Por outro lado, acompanhou o nascimento de um grande, de um temido clube de futebol. O que poucos enxergam, é que tudo o que o Real Madrid é hoje, se deve ao que foi feito naqueles 35 anos de ditadura militar. Os fins, na visão da maioria, justificou os meios. A partir do momento que a comunidade europeia reconhece como legítima uma competição completamente forjada e criada para beneficiar um sistema, infelizmente, nos apresentam provas de que sim, o fins justificam os meios. 

Fonte: uefa.com/ acervo pessoal dos jornalistas Miguél Ángel Ruiz, David Valdearenas e Fernando Tarrio (ETV, Programa 'El 10 Del Barça')/ Documentário 'A lenda negra da glória branca (tv3, 2015). 

Agradecimento especial: Fernando Tarrio, Miguel Ángel Ruiz e David Valdearenas - Programa 'El 10 Del Barça'

Imagens: Uefa.com




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