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A Fênix Negra






A fênix: um ser mitológico que mexe com o imaginário humano há milhares de anos. Segundo consta, o animal supostamente teria o poder de renascer das cinzas, voltando à vida de um estado inanimado. Nos quadrinhos da Marvel Comics, no corpo de Jean Grey a entidade conseguia não só voltar à vida, mas também regenerar partes do corpo que haviam sido perdidas ou estavam ociosas. Mas, neste artigo falaremos sobre outra fênix, uma que também veste negro e dourado e cujos poderes se manifestam com uma bola em mãos. Um homem que precisou renascer das cinzas, enfrentou a rejeição e liderou o renascimento da alegria de uma cidade quando não mais havia o espírito de felicidade – e que continua a fazer isso constantemente. Seu nome? Drew Brees, o recriador da alegria de New Orleans.

A Morte da Fênix



Em agosto de 2005, um furacão atingiu a costa leste americana, provocando ventos superiores a 280 km/h, obrigando a cidade de New Orleans a ser evacuada. Mais de um milhão de pessoas foram obrigadas a deixar seus lares para trás, e cerca de 1800 pessoas perderam a vida na tragédia. A fúria da natureza, evidentemente, afetou uma das maiores paixões da cidade, o New Orleans Saints. O Furacão e a consequente enchente ocorridos já na metade da preseason forçaram os Saints a jogar longe de casa durante toda a temporada – dos oito jogos como mandante, um foi jogado em New Jersey no antigo New York Stadium, a mais de 2000 km de casa, três no Alamodome em San Antonio, Texas, distante quase 900 km e quatro no Tiger Stadium, propriedade da equipe de LSU em Baton Rouge, a cerca de 130 km de “NOLA”. A consequência dessas viagens não foi nada boa, e os Saints ficaram apenas 3-13 na temporada, vencendo apenas o Carolina Panthers em Charlotte, o Buffalo Bills em San Antonio e o New York Jets em New Jersey, o que deixou a equipe na última colocação da NFC South.


O Louisiana Superdome em 2005


Do outro lado do país, em San Diego, mesmo com um belo ano de Drew Brees, que passou para 3576 jardas e 24 touchdowns, os Chargers não conseguiram ir aos playoffs. Para piorar: no último jogo da temporada o QB sofre uma lesão em um fumble provocado por John Lynch. A lesão no ombro direito colocou em cheque sua produtividade na temporada seguinte e se mostrou um ótimo caminho para a franquia da California finalmente começar a apostar em Philip Rivers, que havia sido draftado no ano anterior. Brees foi então trocado com os Saints. Mas lembram-se quando falamos que a Fênix pode restaurar um membro do corpo?

Das cinzas, o renascimento


Chegou então o ano de 2006, e com ele, um novo quarterback chegava à Louisiana, oriundo de San Diego. Já de volta à terra natal e ao seu ‘lar, doce lar’, os Saints, agora comandados por Drew Brees conseguiram uma campanha de 10-6 na temporada regular, o suficiente para garantir o título da NFC South e a Bye Week na rodada de Wild Card. No Divisional Round, o Philadelphia Eagles viajaria até New Orleans, e a exemplo do que aconteceu nesta temporada, os donos da casa triunfaram. O NFC Championship Game seria em Chicago frente aos Bears, e os anfitriões não tiveram piedade: 39x14 e vaga assegurada para Detroit. No Super Bowl, vitória do Indianapolis Colts de Peyton Manning sobre os Bears por 29x17. Assim como a geração de um ser não é algo instantâneo e demanda tempo, a completa recuperação do orgulho da franquia da Louisiana ainda levaria mais alguns anos.

O ano de 2006 se vai, 2007 vêm. Apesar das quase 4500 jardas de Drew Brees, dos 28 TDs e da média superior a 67% de conexões aéreas completas, os Saints fica com uma campanha negativa de apenas 7-9, insuficiente para ir à pós-temporada. Em 2008, a campanha melhora para um 8-8 com Drew batendo a incrível marca de 5000 jardas e 34 TDs, mostrando que a fênix que reside no ombro do quarterback já estava plenamente recuperada. Infelizmente para ele, porém, a equipe fica na lanterna da divisão e precisou assistir da televisão o Arizona Cardinals eliminar o Atlanta* Falcons e o Carolina Panthers nos playoffs - ambos rivais de divisão – no caminho para o Super Bowl. Depois de duas temporadas abaixo do nível esperado, o que esperar de 2009?

* Curiosamente, a Fênix está presente no selo da cidade da Atlanta. Podemos afirmar assim que a ave sempre esteve presente na vida da franquia da Louisiana, mesmo que em um símbolo da cidade que hospeda seu rival.



Chega o tempo para a outra fênix bater suas asas


Já estava mais que provado que Drew Brees voava 'flamejantemente' pelos gramados da América, mas o mesmo não se podia ser dito dos Saints. Será que esse voo do quarterback indicava o acendimento da pira incendiária que posteriormente consumiria a carreira do astro? 

A resposta veio em campo. Drew Brees, sendo simplesmente espetacular, novamente lidera seu time a 13-0 nos treze primeiros jogos da temporada. As três derrotas que se seguiram em nada influíram e a equipe conquistou a seed 1 da NFC pela primeira vez em sua história. No Divisional Round, o adversário foi o Arizona Cardinals, que havia passado pelo Green Bay Packers na rodada de Wild Card em um jogo inesquecível, decidido no overtime em um fumble de Aaron Rodgers: 51x45 no jogo que detém o recorde de todos os tempos de pontos em playoffs até hoje. Porém, a magia de Brees se mostrou mais uma vez e ele liderou os Saints a uma vitória esmagadora por 45x14. Na final de conferência o jogo estava empatado em 28x28, e Brett Favre tinha a bola para colocar os Vikings no Super Bowl. Contudo, o herói de Green Bay não é o herói desta história, e a interceptação sofrida por ele comprova este fato. Já no overtime, a tensão pairava no ar quando em uma 3rd&10 na linha das 48yds defensivas dos Saints poderia mudar completamente a história da final. Em caso de recepção, a franquia de NOLA ficaria em uma ótima posição para matar o jogo, mas caso a jogada não fosse completa caberia à franquia de Minneapolis a missão de calar o Superdome. E para variar, Drew Brees fez seu trabalho de maneira impecável. Ou quase. O lançamento encontrou o recebedor livre na linha de 40yds do campo de ataque, exatamente o ponto do first down. Mas no movimento de recepção ele acaba saindo desta marca e a primeira descida é impedida por polegadas. A quarta descida é convertida e é um ponto crucial para o que se seguiria. New Orleans segue caminhando até o Field Goal de 40yds convertido por Garrett Hartley, que colocou a franquia no Super Bowl frente ao Indianapolis Colts, exatamente o mesmo time que foi campeão da NFL em 2006, ano em que Drew Brees começa a ressurgir qual fênix.

Super Bowl XLIV: O imponente bater das asas 


Chega o dia de alçar voo. Os Saints estavam em Miami para o jogo mais importante de sua história, seu primeiro Super Bowl. Porém, o prognóstico não era tão animador. Do outro lado, Peyton Manning e os Colts, favoritos nas casas de apostas por cinco pontos de vantagem. Mas qual roteiro de filme de herói não possui um vilão em aparente vantagem? A bola voa e os Colts começam amassando o time da Louisiana: 10x0 no primeiro quarto, com Manning já mostrando sua habitual e intrínseca qualidade. No segundo quarto, Brees lidera sua equipe à porta da endzone, sem sucesso, naquela que seria a campanha para liderar o placar; a defesa de Indianapolis barra os aurinegros quatro vezes, e NOLA sai de campo perdendo: 10x6. Entra em cena a banda The Who para o Halftime Show, e ao que parece, o rock n' roll acordou os Saints para a segunda metade da partida. 

No início do terceiro quarto, uma jogada aparentemente kamikaze por parte de New Orleans começa a mudar o jogo. "Onside Kick logo no começo do Q3 é insanidade", pensaram muitos. Bem, como disse Albert Einstein certa feita, "Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes". Os Saints fizeram diferente, e foram agraciados. o Special Teams de Indianapolis não conseguiu ficar com a posse da bola, soltando-a nos braços de Chris Reis que a agarra. Drew Brees volta à campo e lidera a equipe na campanha que viraria o jogo. NOLA na frente, 13x10. Em seguida, Manning mostra porquê ele é um dos melhores jogadores de todos os tempos e recoloca o Colts na frente, mas não por muito tempo. Desse momento em diante, só um nome se destaca: Drew Brees. Igualando o recorde histórico de passes completos em um Super Bowl, ele ainda atravessa o campo outra vez, para anotar o TD, bonificado com a conversão de dois pontos, o que deixa o placar em 24x17. A bola vai para as mãos de Peyton Manning, o homem em que se depositam as esperanças dos torcedores de Indianapolis. E eis que acontece o clímax da nossa história. 

Voltando aos filmes e quadrinhos: quantas vezes você já viu um herói improvável em uma expressão de arte? Praticamente toda história possui esse ser oculto que fica apenas esperando a hora de se revelar e cair nas graças e na ovação de seu público. Contudo, como disse Humberto Gessinger em sua canção Somos Quem Podemos Ser, "A vida imita o vídeo". E foi exatamente o que aconteceu. A vida imitou com maestria e perfeição o que todos estamos exaustos de ver acontecer em obras de ficção. Como tudo no esporte e na arte, porém, essa dose extra de ficcionismo na vida real veio com alta carga de dramaticidade. 

Bola na linha de 31 jardas do campo de ataque dos Colts. Peyton Manning com quase dois segundos para fazer o lançamento, ele olha para Reggie Wayne, faz o passe e... é interceptado por Tracy Porter, que com uma avenida à sua frente corre 74 jardas, direto para a endzone! Este touchdown dá números finais ao jogo, Saints 31x17 Colts, e o primeiro Vince Lombardi Trophy para a franquia. 

Um time que se veste de preto e dourado, as cores da fênix, e que como ela ressurgiu das cinzas para alçar grandes voos. Um time que abriu suas portas para um jogador com o mesmo DNA, e que fez jus à isso, carregando em suas asas a dor do povo da Louisiana que havia perdido muitos bens materiais, mas não sua esperança. E com as mesmas asas que ele carrega para longe a dor do povo da Louisiana, ele trás a alegria e a festa da conquista do primeiro título da NFL da cidade. Este é o New Orleans Saints, este é Drew Brees. Mais que isso: estas são as fênix negras, que deixaram a noite escura de 7 de fevereiro de 2009 de New Orleans um pouco mais dourada. E que me desculpem os fãs da NBA, mas New Orleans tem uma ave, e ela não é o pelicano. 

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