America's Game V: Ascensão e queda de impérios
Ciro, o Grande. Um nome eternizado na história da humanidade. O homem que ousou desafiar o poderio de Babilônia, uma cidade gloriosa e arrogante de suas intransponíveis muralhas e do Rio Eufrates, considerada uma fortaleza impossível de se derrubar. Ele conseguiu. Ciro não apenas desafiou atacar a mais imponente das cidades do mundo antigo, mas a conquistou. Séculos mais tarde, os persas provaram de seu próprio veneno quando Alexandre Magno subjugou o seu império e se transformou em mais uma das figuras célebres do passado. Um general magnífico que honrava sua alcunha e transformou a Grécia em potência mundial. Porém, após sua morte o seu império - que havia sido dividido entre quatro de seus generais - acabou sendo dominado pelos romanos. Os romanos, por sua vez, viram seu poder enfraquecer lentamente com o passar das eras até o cenário atual, com os Estados Unidos da América tomando o papel de líder das nações. E, por mais que possa não parecer, esse perde-e-ganha de poder tem tudo a ver com o tema central do artigo de hoje.
O primeiro grande império
Como já foi comentado em uma parte anterior desta série, a história da humanidade tem uma maneira irônica de se comportar, usando e abusando da repetição. Alexandre morreu no auge de suas realizações, tendo o mundo antigo aos seus pés. E algo similar aconteceu com a primeira grande dinastia da era moderna da NFL: o Green Bay Packers de Vince Lombardi. A equipe de Wisconsin vinha de cinco conquistas em um período de sete anos, incluindo os dois primeiros Super Bowls nas temporadas de 1966 e 1967. Lombardi, então aos 55 anos decide se retirar do posto de head coach e passa a ser apenas general manager do time que ajudou a engrandecer. Não por muito tempo. No ano seguinte ele ruma a Washington para treinar os Redskins que estavam sedentos de uma nova conquista que já não ocorria havia quase três décadas. Não deu. A franquia da capital nacional ficou atrás do Dallas Cowboys na classificação da Capitol Division, atual NFC East. Infelizmente, a experiência no Distrito de Colúmbia não durou muito. Diagnosticado com um câncer terminal. o lendário treinador faleceu ainda em 1970, apenas dois anos depois de ter conquistado o troféu mais importante do esporte americano. Em uma homenagem mais que justa, no mesmo ano que o Brasil ganhava o direito de ter para sempre o Troféu Jules Rimet, outra representação da glória foi rebatizada: era o início da saga do Vince Lombardi Trophy.

Sem Lombardi os Packers amargaram mais de duas décadas de sofrimento e só voltariam a conquistar um título em 1996 sob comando de Brett Favre. Antes disso, contudo, novos impérios nasceriam.
Nascem cinco de onde saiu um
O posto de equipe dominante ficou vago a partir de 1970. Cada conferência havia ganho dois Super Bowls e três equipes da Liga Nacional foram realocadas para a AFC. E duas dessas realocações tiveram papel de destaque nos anos que se seguiram: Baltimore Colts e Pittsburgh Steelers. Logo em seu primeiro ano na AFC a franquia de Maryland, que havia perdido o Super Bowl III para Joe Namath e os Jets finalmente consegue conquistá-lo. No terceiro Super Bowl em Miami num espaço de quatro anos, os Colts de Jhonny Unitas perdiam até a metade do último período por 13x6. Mostrando resiliência, Baltimore virou a partida com um Field Goal no último lance da partida convertido por Jim O'Brien e conquistou o título. Os Cowboys finalmente conquistariam o tão sonhado troféu no ano seguinte ao vencer os Dolphins em New Orleans. E neste perde-e-ganha que se tornara a NFL no início da década, coube aos Dolphins o papel de vencer os dois próximos anos, batendo Redskins e Vikings, respectivamente, e estabelendo um recorde jamais igualado: ser o único campeão invicto da Liga. O ano de 1973 marcou não apenas o segundo título de Miami, mas também outra curiosidade que perdura até os dias atuais: nenhuma equipe jamais disputou o Super Bowl em casa. Os Dolphins poderiam ter tido esse privilégio pois participaram de três dos primeiros oito eventos, e o Miami Orange Bowl sediou o mesmo número de jogos. Coincidentemente, a equipe da Florida não esteve em nenhum destes. E por falar em bi-campeões...
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Don Shula e os invictos |
Em 1970 os Steelers usaram a primeira escolha do Draft para selecionar Terry Bradshaw, quarterback de Louisiana Tech. Essa decisão traria frutos a partir de 1974. Os Steelers ganhariam com Bradshaw quatro títulos em seis anos, sobre Vikings (1974), Cowboys (1975 e 1978) e Rams (1979). O anos de 1976 e 1977 viram os Steelers de Bradshaw bater na trave, sendo derrotados por Raiders e Broncos, respectivamente. Os Raiders conquistariam o campeonato batendo os Vikings por 32x14, enquanto que a franquia de Denver seria derrotada pelos Cowboys no Louisiana Superdome. 1976 também marcou a entrada de Tampa Bay Buccaneers e Seattle Seahawks na NFL, equipes que seriam posteriormente vencedores de Super Bowl exatamente sobre Raiders e Broncos.
Vinte dias depois do nascimento de 1980 veríamos a morte da dinastia de Pittsburgh. Os Raiders conquistariam seu segundo Super Bowl ao vencer os Eagles. Depois dos títulos de 49ers em 1981 e Redskins em 1982, foi a vez dos Raiders, agora em Los Angeles, recuperarem o topo do mundo. O título ficou na California até 1984 quando o San Francisco 49ers venceu os Dolphins. No ano seguinte os Bears conquistariam seu nono e último título ao bater o New England Patriots. Jim McMahon, quarterback de Chicago também se tornou o último QB dos Bears a ir para o Pro Bowl antes de Mitchell Trubisky em 2018. Coincidentemente, McMahon também faria parte do elenco do Green Bay Packers que bateu os Patriots em 1996. Os Broncos ainda perderiam dois Super Bowls consecutivos para Giants e Redskins antes da terceira dinastia subir ao poder: a dinastia do ouro.
A Corrida do Ouro
Em 1979 os 49ers usaram sua escolha de terceira rodada do Draft para selecionar Joe Montana, quarterback de Notre Dame. Depois de dois anos falhando em se qualificar para a pós-temporada, San Francisco teve a melhor campanha geral da temporada regular de 1981, se classificando para os playoffs. Depois de bater os Cowboys no Championship Game, o adversário do Super Bowl seria o Cincinatti Bengals. Melhor para a franquia da California que venceu e conquistou o seu primeiro título.
Depois de um ano falhando em ir à pós-temporada, os 49ers voltaram a decidir a NFC em 1983 em Washington. Em um jogo polêmico, Montana teve a posse de bola para um possível winning drive, sendo interceptado. Washington venceu por 24x21 e se encaminhou para Tampa onde foi derrotado pelos Raiders.
Depois da eliminação de 1983 a expectativa era alta para 1984. Novamente fazendo a seed #1 da NFC a equipe de San Francisco receberia a poderosa defesa do Chicago Bears no Candlestick Park valendo uma vaga na grande decisão da temporada. De forma esmagadora os 49ers não deram chance aos Bears e venceram por 23x0. O adversário no Super Bowl seria o Miami Dolphins de Dan Marino, em um super confronto entre dois dos mais talentosos quarterbacks de todos os tempos. Melhor para Montana que liderou o seu time para um consistente 38x16. Eliminado pelos Giants no Wild Card de 1985 e novamente no Divisional Round de 1986, ter novamente a seed #1 em 1987 poderia significar um caminho de conquista novamente. Não foi. O Minnesota Vikings que entrou no Wild Card com a última vaga foi até San Francisco e derrubou os 49ers em pleno Candlestick Park. O ano seguinte, porém, seria doce.
Em 1988 os 49ers tiveram que viajar até Chicago para decidir mais uma vez a NFC contra os Bears, com sucesso. A passagem para mais um Super Bowl poderia significar a afirmação de Montana como o melhor jogador em atividade na Liga e um dos maiores de sua posição. O desafiante na grande decisão foi um velho conhecido: o Cincinatti Bengals. E este jogo protagonizou um dos momentos mais folclóricos da NFL.
San Francisco perdia a partida por 13x16 e estava no ataque. O time, nervoso, se reúne no huddle para planejar a próxima jogada. É então que Montana aponta para um dos camarotes do Hard Rock Stadium e pergunta aos companheiros "não é aquele John Candy (ator e comediante canadense)?". Instantaneamente, como que por mágica, a tensão vai embora. Os 49ers marcham pelo campo, conquistam 93 jardas e seu terceiro título de Super Bowl. Montana recebe o apelido de "Joe Cool", ou "Joe Frio" e exorciza os demônios dos fracassos dos últimos anos.
Aquele que viria a ser o quarto e último título de Montana com os 49ers veio no ano seguinte, de maneira muito mais tranquila: 55x10 sobre o Denver Broncos de John Elway. A grande dinastia pintada em vermelho e ouro tinha nome e sobrenome: Joe Montana. E que cores poderiam ser melhores para pintar esse cenário de preciosidade?
A dinastia que ninguém quer repetir
1990 marcou o nascimento de uma dinastia na AFC. O Buffalo Bills não sabia o que era conquistar a conferência americana desde a dobradinha de 1964/1965, antes mesmo da criação do Super Bowl. Mas isso estava prestes a mudar. Depois de bater os Dolphins, rivais de divisão no Divisional Round, os Bills receberiam os Raiders no Championship Game. O que se viu foi uma aula de futebol americano: atropelo pelo placar de 51x3 e vaga assegurada para Tampa onde os Giants os aguardava. Parecia que apenas um desastre poderia impedir Buffalo de celebrar seu primeiro título da NFL. E foi exatamente o que aconteceu.
Jim Kelly recebeu a bola com 2:16 para jogar e um ponto de desvantagem. Mostrando toda sua qualidade ele carregou os Bills até a linha de 29 jardas do campo de ataque dos Giants e 0:08 no relógio. Scott Norwood, kicker de Buffalo estava a um chute de 47 jardas de se consagrar. O chute, contudo, foi horrível e os Giants conquistaram mais um título. E o pior ainda estava por vir.
Nos três anos seguintes os Bills novamente se fizeram presentes no maior espetáculo da Terra. A derrota para os Redskins em 1991 certamente foi desapontadora, mas nem o mais pessimista fã de Buffalo poderia imaginar o que viria: Quase 100 mil pessoas se fizeram presentes no Rose Bowl em Pasadena para assistir ao massacre do Dallas Cowboys de Troy Aikman sobre os Bills por 52x17. No ano seguinte, em Atlanta, mais uma derrota para o mesmo Cowboys por 30x13 e a sina de ser o único time a ir quatro vezes consecutivas ao Super Bowl e não vencer nenhum segue tirando o sono do torcedor dos Bills.

Domínio da NFC
A Conferência Nacional já vinha de dez conquistas consecutivas quando a temporada de 1994 nasceu. Joe Montana já havia deixado os 49ers e Steve Young tinha a missão de conduzir a franquia. Em uma temporada onde Packers, Lions, Vikings e Bears foram aos playoffs era natural imaginar o título da NFC indo para o norte, quebrando assim a hegemonia das equipes da atual Divisão Leste. Mas Young, que havia sido draftado pelos Buccaneers, companheiro de NFC Central dos agora componentes da NFC North, decidiu não concordar com isso. Enquanto Green Bay eliminava Detroit e Chicago mandava Minnesota para casa no Wild Card, San Francisco e Dallas acompanhavam ansiosamente seus futuros adversários. Após duas vitórias convincentes das equipes do Texas e da California, os Cowboys visitavam os 49ers decididos a ir a seu terceiro Super Bowl em sequência. Sem dar chance ao azar a equipe de San Francisco bateu os Lonely Star e foi para Miami enfrentar os vizinhos Chargers. Fazendo jus ao seu nome, Young e companhia aplicaram 49 pontos à defesa de San Diego e levaram mais um troféu para casa. Perdedores das finais de conferência em 1994, Steelers e Cowboys voltaram decididos a ir mais longe em 1995. E foram. Se encontrando no Sun Devil Stadium no Super Bowl XXX coube a Dallas conquistar seu quinto título, igualando o recorde de San Francisco estabelecido um ano antes. E por falar em perdedores das finais de conferência...
Green Bay vinha de uma derrota na final da NFC em 1995 e tinha no backfield mais um coroado Top 100 All-Time: Brett Favre. Na temporada posterior àquela que entraram na Liga o Carolina Panthers e o Jacksonville Jaguars surpreenderam indo até as finais de suas respectivas conferências, sendo derrotados por Packers e Patriots que se encontraram em New Orleans. E Jim McMahon, mesmo sem atuar derrotou novamente os Patriots, a exemplo do que havia acontecido em 1985. Além de dar a Brett Favre o seu primeiro e único título da NFL, 1996 também coroou mais um dos maiores de todos os tempos: Reggie White. O "Ministro da Defesa", considerado por muitos o maior defensive end de todos os tempos. White ainda atuaria nos Panthers antes de se aposentar em 2000. Lamentavelmente, ele morreria logo depois, em 2004, vítima de arritmia cardíaca aos 43 anos de idade.

Primeiro título de uma lenda também na AFC
Depois da conquista dos Packers em 1996, Green Bay voltou a estar em um Super Bowl no ano seguinte para enfrentar o Denver Broncos de John Elway. A forte linha ofensiva de Denver conseguiu impedir White e outros pass rushers de Green Bay de sackar Elway. Este fato foi fundamental para o sucesso da franquia de Mile High, que repetiria a dose em 1997 batendo os Falcons em Miami. Depois de quatro derrotas em Super Bowls, finalmente os Broncos eram os campeões mundiais.

O retorno de Cleveland ao futebol americano profissional
Em 1995 a cidade de Cleveland havia tido o desprazer de ver seu time se mudar para Baltimore e formar os Ravens. Por outro lado, Baltimore voltava ao circuito da NFL pela primeira vez desde a mudança dos Colts em meio a uma noite em março de 1984. O episódio conhecido como Midnight Move deixou Maryland sem um time para chamar de seu até a realocação dos Browns. Porém, Ohio não ficaria sem uma equipe por muito tempo. A terra-mãe do esporte voltaria a ter uma franquia em 1999. Mais que isso, a nova franquia manteve a história dos Browns, seu nome e suas cores. Mas, a exemplo do fracasso da última temporada do primeiro Cleveland Browns, o sucessor também não encantou a apaixonada Dawg Pound. Outros recém-realocados é que mostraram sua força. O Houston Oilers havia se mudado para Nashville em 1997 e se tornado o Tennessee Oilers antes de atualizar seu nome para Tennessee Titans em 1999. Os Rams haviam saído de Los Angeles rumo a Saint Louis em 1995 e amargava a fila de títulos desde 1951. Em um dos grandes jogos de todos os tempos, os Rams de Kurt Warner venceram milimetricamente, em um lance conhecido como "The Tackle". O linebacker Mike Jones impediu o wide receiver Kevin Dyson de levar o jogo para o prorrogação com uma derrubada providencial na linha de duas jardas. A imagem de Dyson se esforçando para atingir a goal line esticando os braços ao máximo enquanto Jones agarrava firmemente suas pernas se tornou um dos grandes momentos da história recente da NFL e deu um encerramento digno ao Século XX na maior liga esportiva do planeta.

O Século XXI raiava no horizonte e a centésima-nonagésima-nona escolha geral do Draft de 2000 traria uma revolução na NFL. Além disso, uma nova equipe seria adicionada e as divisões seriam modificadas pela última vez. Recordes de títulos seriam quebrados, outros seriam ampliados e o esporte se espalharia ao redor do planeta até cair no gosto de uma das maiores nações do mundo. Esses serão os temas principais da Parte VI de The America's Game.
Confira aqui os demais textos dessa série:
America's Game I: A Doutrina do Destino Manifesto e o orgulho patriótico cria o mais americano de todos os esportes
America's Game II: NCAA: como um bando de jovens e uma atração turística de inverno transformaram o país
America's Game I: A Doutrina do Destino Manifesto e o orgulho patriótico cria o mais americano de todos os esportes
America's Game IV: Se não pode vencê-lo, junte-se a ele
America's Game V: Ascensão e queda de impérios
America's Game V: Ascensão e queda de impérios
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