Reverência: Um ode à Manu
Vinte e três anos de carreira. 4 títulos da NBA . Campeão e medalhista de bronze olímpico. Campeão e MVP da euroliga. Campeão e duas vezes MVP italiano. Embora todas as honrarias e títulos dêem a dimensão de Emanuel David Ginobili, talvez suas maiores conquistas tenham sido o respeito e admiração de atletas igualmente geniais ao redor do planeta e a idolatria de um país inteiro acostumado a endeusar seus grandes filhos.
Colocado por muitos hermanos como o maior esportista da história do país, Manu mostrou ao mundo que , embora não fosse o mais atlético ou veloz, seu QI, sabedoria na tomada de decisões e capacidade de definir uma partida, o colocariam no hall dos maiores estrangeiros da NBA e inegavelmente o maior latino americano da história.
Nascido em Bahia Blanca, ainda muito jovem despertava a atenção de olheiros por seu estilo singular. Com uma família apaixonada por Basquete e a facilidade da descendência italiana, deixou o Estudiantes e partiu ao pequeno Basket Viola de Reggio Calábria e instantaneamente levando a equipe ao acesso logo em sua estreia. Em meio ao sucesso de Manu, os Spurs viajaram à Austrália para observar um ala armador argentino que atuária no Mundial Juvenil: Lucas Victoriano. A paixão por Ginobili foi instantanea e, com a 57ª escolha(!!!) no Draft de 1999, Manu era parte da franquia texana. Não rumou diretamente aos EUA, se transferindo para o gigante Virtus Bologna de Ettore Messina. Com sua camisa 6, canhota letal e sem medo de ninguém, foi a estrela do título improvável da euroliga de 2001, MVP e campeão da Lega Basket Italiana. Especialistas diziam que Manu era lento demais para a NBA, e a resposta viria três anos depois no Mundial de Indianápolis.
Pela primeira vez na história os EUA utilizariam jogadores da NBA numa competição da FIBA. Imparável, Manu conduziu a Argentina até às fases finais. Nas quartas, numa de suas maiores atuações, bateu os favoritos numa partida épica. Na decisão, uma arbitragem extremamente controversa, aliada ao ótimo time iugoslavo e a ausência de Ginobili por lesão nas semis contra a Alemanha de Dirk Nowitzki, deixou o título pelo caminho. A vingança viria dois anos depois, nas olimpíadas de Atenas em 2004. Na estreia do torneio, com um ponto atrás e 3.8 segundos no relógio, Manu recebeu um passe da intermediária, fintou e deu um jumpshot maravilhoso e inesquecível que tocou na tabela e caiu com o cronômetro zerado. 84x 82 e êxtase portenho.
Mais tarde, o velho conhecido time americano seria refém da maior atuação de sua vida: imparável , 29 pontos e vitória para ser lembrada para sempre. Seu legado começava a tomar forma e o sonhado título olímpico se tornou realidade numa final impecável contra a Itália. Paralelamente, Ginobili vencia também a desconfiança típica americana desde sua chegada ao Texas, evoluindo absurdamente nas mãos de Gregg Popovich e passando a ter papel importante no segundo título da franquia em 2003. No ano seguinte, tendo assumido o posto de sexto homem da equipe, não foi pareo para o fortíssimo Lakers nas semis do oeste.
Com a conquista olímpica, seu status mudou completamente. Passou a titular da equipe, e ao lado de Tim Duncan e Tony Parker, Manu chegou ao seu segundo título da liga e até hoje, ao lado de Bill Bradley, é o único a vencer NBA, Olimpíadas e Euroliga.
A partir de 2006, Pop passou a utilizá-lo como líder da segunda unidade vindo do banco. Apesar de estrela da equipe, Manu deixou o ego de lado e aceitou um papel secundário para o bem coletivo. Acabou se tornando peça fundamental no terceiro título em 5 anos, carimbando uma nova dinastia na liga, mesmo sem ter iniciado um jogo sequer nos playoffs.
Nos cinco anos seguintes, contudo, os Spurs, apesar de figura constante na pós temporada, se ausentaram das Finais, reflexo da disputa selvagem na Costa Oeste e dos Lakers de Kobe Bryant. Com a chegada de Kawhi Leonard em 2012, o jejum de decisões chegou ao fim contra o Miami de LeBron e Dwyane Wade. Vice campeonato em 5 jogos.
Acostumado a revanches, Manu ajudou a trazer o Larry O'Brien de volta no ano posterior em atuações fantásticas de Tim Duncan. Com a aposentadoria do "Big Fundamental" em 2016, após 19 anos de Spurs, Ginobili dava indícios de que seu fim se aproximava. Beirando os 39 anos, as olimpíadas do Rio eram sua última oportunidade de brilhar pela seleção. Contudo, as coisas voltaram ao normal e o fortíssimo time americano simplesmente destruiu a Argentina por 105x78. Uma das histórias mais lindas do esporte se encerrava. Em territorio hostil, milhares de argentinos saudaram um gigante de "apenas" 1,98 num episódio de arrepiar até o mais bairrista dos brasileiros.
Seu retorno à San Antônio foi ofuscado pela idade avançada, e embora alguns lances mágicos como o toco em James Harden nas semis de 2016, e a cesta de três no estouro contra os Celtics, as possibilidades de título desabaram com a lesão de Kawhi contra os Warriors, após uma provável vitória em Oakland. Com a ida de Leonard para Toronto e um processo de renovação que trouxe Demar Derozan, Manu viu em seu último ato a ida de Tony Parker para Charlotte. Agora, com o anúncio de sua aposentadoria, o Big 3 texano estará apenas na lembrança de seus fanáticos torcedores.
Como o próprio Ginobili declarou em sua despedida, foi muito além de seus sonhos mais loucos. Ao contrário dos egos inflados de jovens milionários e por vezes arrogantes do mundo do basquete, mostrou ao mundo que o vigor físico nem sempre se sobrepõe à inteligência. Que é possível jogar para vencer e ao mesmo tempo divertir-se. Que é possível carregar o sonho de milhões de pessoas nas costas. Com coração e alma. Com criatividade, raça e suor ímpares, sua ausência tira um pouco da graça do campeonato. Manu mostrou que sim, é possível que a maior rivalidade do planeta fique de lado para apreciar e reverenciar um talento divino. Mostrou que o maior sul-americano da história do basquete está do outro lado da fronteira. Que sorte a deles. E, por que não, que sorte a nossa.
Gracias, Manu.
Belo texto, Manu Ginóbili é um dos meus ídolos na NBA. Como era bom ver os Spurs com ele, Duncan e Parker
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