elclasico-removebg-preview

News

Mais alto que o céu




27 de Agosto de 2004: O dia que será lembrado por várias gerações. O dia em que, pela segunda vez na história, Golias caiu, morto em combate. O dia em que Pepe Sanchez, Ginobili, Scola e Nocioni subiram o Olimpo. Mesmo estando em Atenas, terra dos deuses e seres mitológicos, o caminho até a vitória parecia inatingível, semelhante aos Doze trabalhos de Hércules, milhares de anos atrás.

A maior vitória argentina de todos os tempos. E que não venham me falar da mão de Deus em 86. Como poderiam eles, do alto de sua bondade e senso de justiça, terem colaborado para uma das maiores trapaças do esporte?

A trajetória da geração dourada na Grécia começou cheia de armadilhas e obstáculos. Em um grupo complicadíssimo, a estreia reservava a Iugoslávia como adversária, um algoz conhecido dois anos antes no Mundial de Indianápolis, onde os hermanos não resistiram ao timaço de Vlade Divac, Peja Stojakovic e Dejan Bodiroga.

A revanche veio num jogo acirrado e uma vitória por apenas 1 ponto, 83 x 82. Manu, cerebral desde mais jovem, anotou 27 pontos e abriu caminho para a trajetória albiceleste.
Na segunda partida, a fortíssima Espanha de Paul Gasol e José Calderon. Scola foi monstruoso, porém, a derrota veio por 87x76. Sinal de alerta ligado para o duelo contra os chineses. Uma vitória daria fôlego numa chave complicada, e uma derrota poderia pôr tudo a perder. Mas o troca de bola eficiente, visão da quadra e coletividade tornaram o jogo fácil e o triunfo por 82x57 deixou o caminho menos nebuloso.

Sem dúvidas a pior partida foi a seguinte, contra uma surpreendentemente boa Nova Zelândia. Uma marcação forte com imposição física limitou as características portenhas, que, sem convencer, venceu por 98x94.

Para fechar a primeira fase, um duelo contra a Itália. Nos anos 2000, a liga italiana era uma das melhores do planeta, e a Azzurra tinha em seu elenco nomes como Nikola Radulovic e Massimo Bulleri. Derrota por um ponto em jogo acirrado, que trouxe o terceiro lugar no grupo.

Nossos vizinhos, cambaleantes e cheios de altos e baixos, fariam uma breve visita ao inferno ao encarar a dona da casa Grécia na fase de quartas de final. A torcida helênica, famosa por seu fanatismo, transformou o ginásio na terra de Hades. Com uma solidariedade ímpar e pouquíssimos erros, o jogo argentino fluiu e o passaporte para as semi finais estava carimbado: 69x64.

Parecia ser o capítulo final para os comandados de Ruben Magnano. A disputa pelo bronze seria mais plausivel e bastante comemorada por uma equipe que sequer havia ido a Sydney quatro anos antes.

Os americanos, no auge de seu talento, e porque não, de sua arrogância, davam favas contadas e o ouro era mera formalidade. Ousaram até mesmo deixar LeBron James, recém chegado a NBA diretamente do High School, quase que a partida inteira no banco. Carmelo Anthony, outra jovem estrela, sequer esteve no banco. Mesmo assim, a superioridade do Dream Team era enorme. A linha titular trazia nomes como Allen Iverson, Dwyane Wade, Tim Duncan e Lamar Odom. Era uma missão impossível.

O que se viu, no entanto, foi a Argentina ditando o ritmo de jogo, rodando a bola, usando o tempo de posse e sempre buscando o melhor arremesso possível. A tradicional garra charrua anestesiou as estrelas norte americanas, que só venceram o último quarto já sem nenhuma chance de reverter o quadro. O mundo se assombrava com aqueles jovens latinos derrubando os gigantes, afinal, eles não caem todos os dias. A Argentina era finalista olímpica.

Se vencer os EUA se assemelhava a escalar o Monte Everest sem auxílio de oxigênio, a decisão contra a Itália era uma forma de fincar a bandeira em seu cume. De deixar os nomes escritos na eternidade. E assim foi. Desfalcados de Fabrício Oberto e Walter Herrmann, importantíssimos na campanha, coube a Luis Scola beirar a perfeição e, com seus 25 pontos e 11 rebotes, carregar os seus irmãos à glória máxima do esporte. Um sonoro 84x69 que sequer refletiu o amplo domínio albiceleste. Um ginásio lotado chorava e cantava a plenos pulmões, para que os deuses do Olimpo soubessem quem eram os heróis da Terra. A lenda de Manu, Scola, Nocioni, Sanchez e Cia estava escrita. Para que daqui a 50 ou 500 anos, todas as gerações soubessem o que se passou naquele dia. O dia que a Terra parou.

O dia em que meros mortais voaram mais alto que o céu.

Crédito da imagem: Orlando Grisolian (clarim.com)

Nenhum comentário