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Sávio, o Anjo Louro da Gávea - entrevista exclusiva!


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Quando falamos em grandes jogadores do nosso futebol, sempre nos vem à cabeça lances e jogos que nos marcaram de alguma forma. Como amante desse esporte, me lembro com perfeição da final do Mundial de Clubes de 1998, onde meu pai e eu, ambos vascaínos, sofremos muito com a vitória do Real Madrid sobre o cruz-maltino.

Em campo naquela decisão, jogada no Estádio Nacional de Tóquio, em 1º de dezembro de 1998, estava o "anjo dourado da Gávea", Sávio Bortolini. Na época, apenas Sávio. Canhoto, muito habilidoso, era o camisa '10' da constelação merengue que levantara mais uma taça naquele fim de ano fatídico para os vascaínos. Há quem diga que, mesmo longe do Flamengo, o "anjo" ainda atendia algumas preces rubro-negras.

Quase vinte anos depois, eu, agora como redator de um blog de Esportes, recebi a oportunidade de entrevistar um dos grandes vilões daquele dia. Claro que ao longo dos anos eu entendi que o futebol, em partes, é apenas um Esporte e que perder faz parte dele. Dessa forma, Sávio se tornou, no meu modo de ver, um ícone de como conduzir uma carreira pós campo: respeitando as pessoas e a si mesmo.

Após 18 anos de carreira profissional, passando por clubes como Flamengo, Real Madrid, Bordeaux e Real Zaragoza, além da Seleção Brasileira; Sávio se aposentou aos 36 anos, em 2010, jogando pelo Avaí de Santa Catarina. Depois disso, esse capixaba de Vila Velha-ES resolveu se aventurar no mundo empresarial. Fundou a Bortolini Patrimonial, empresa do ramo de investimentos imobiliários, e, posteriormente, a Sávio Soccer, empresa de gestão de carreira para atletas.

Em nossa conversa, o ex-jogador conta como foi o inicio nos campos em 1988. A trajetória no Real Madrid, onde revela ter tido um misto de alegria e tristeza ao receber a proposta dos espanhóis. O fato de não ter jogado uma Copa do Mundo incomoda? E a situação atual do futebol brasileiro dentro e fora de campo? Sávio não fugiu do assunto "Flamengo 95", ano em que o rubro-negro formou o ataque dos sonhos com ele, Edmundo e Romário. O que deu errado?


Confira agora o nosso papo com Sávio Bortolini, ex- jogador e agora empresário: 


Crédito: Lui Chaves


1 - Como foi chegar no Flamengo aos 14 anos de idade? Como aconteceu? Um clube que tem a maior torcida do Brasil e contava com jogadores como Paulo César, Zinho, Zico... O que um menino dessa idade pensa ao chegar em um ambiente assim? 

Acervo pessoal
Foi um dos momentos mais felizes da minha vida! Você morar em Vila Velha-ES, jogando futebol onde não é um centro muito avançado e vir o Flamengo e te fazer um convite, te chamar pra jogar no Rio de Janeiro... realmente foi uma felicidade muito grande. Uma apreensão muito grande também, um nervosismo. Não só chegar no Flamengo, no Rio de Janeiro; mas também deixar minha família, né?! Deixar minha mãe, meu pai... era uma situação muito difícil, já que não tínhamos na época telefone celular, internet... então a comunicação era muito precária. Era através de orelhão, ficha telefônica... mas, quando você tem um objetivo e, esse era o meu objetivo, você supera tudo. Então foi uma felicidade muito grande chegar no Flamengo com 14 anos e ali traçar um projeto e tentar chegar ao profissional do clube. 

2 – O Flamengo de 1995: o que deu “errado”?

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O Flamengo de 95 tinha aquela expectativa do centenário, de ganhar títulos, ataque dos sonhos... Nós chegamos ao vice-campeonato carioca, o vice-campeonato da supercopa dos campeões, mas o campeonato brasileiro foi muito ruim. Porque realmente nós não tínhamos um time competitivo - apesar do ataque. Faltava estrutura, uma gestão dentro e fora de campo... enfim, era algo realmente muito complicado. Não adianta você colocar em campo os melhores jogadores e pensar que por isso vai ganhar. Faltou muito comando, faltou muita estrutura, companheirismo, comprometimento com o clube e, infelizmente, em um ano onde a expectativa era muito grande, a gente não conseguiu nenhum título importante. 

3 - Após onze anos de Flamengo você é contratado pelo poderoso Real Madrid. Como você recebeu a notícia do interesse merengue, e como foi a sua passagem pela capital espanhola? 

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Na verdade, essa foi uma situação de muita felicidade e muita tristeza ao mesmo tempo: felicidade porque eu acho que era o momento de eu sair, ainda mais quando vem um clube do patamar, da grandeza do Real Madrid... pra mim foi uma felicidade muito grande. Foi um reconhecimento de tudo o que eu estava fazendo no Flamengo, pois é o Real Madrid e não é fácil você sair direto para o Real Madrid. E para mim foi maravilhoso, foi uma experiência muito boa. Foram cinco temporadas onde nós ganhamos os principais títulos, ganhamos três Liga dos Campeões em cinco anos, sendo que a primeira, quando eu cheguei, o clube estava 32 anos sem ganhar... foi uma festa, algo indescritível. E a tristeza é porque não é fácil você deixar um clube onde você passou onze anos, onde você cresceu, onde você conheceu muita coisa, muita gente boa. Eu tinha um carinho muito grande pelas pessoas dentro clube, pela torcida do Flamengo, pelas pessoas que me ajudavam. Então você deixar algo assim é sempre muito triste. Mas enfim, a gente tem que estar sempre preparado para as etapas, para os obstáculos e projetos. E o Real Madrid foi muito especial na minha carreira. 

4 - Entre os clubes pelos quais você atuou, qual o mais especial pra você? E existe alguma partida que você considera como a mais importante da sua carreira? 

É difícil a gente colocar algo como "o mais especial", né?! Agora, o Flamengo, por ficar lá quase onze anos, por crescer lá dentro, por ser flamenguista, por ter uma paixão muito grande pelo clube... eu acho que o Flamengo é sempre diferente e muito especial. 

Um jogo

É difícil eu tirar um ou dois ou três jogos como os mais especiais. Tive jogos muito, mas muito especiais. Tive gols especiais. Títulos realmente inesquecíveis. É difícil a gente considerar o mais importante. Eu acredito que a estreia, ou, o  meu primeiro gol no Maracanã, por exemplo, no Fla Flu, em 1994, no 3 a 1, eu fiz o terceiro gol. Foi uma coisa muito marcante, eu nunca vou esquecer, é muito especial pra mim. 

Títulos

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Flamengo: Eu acho que a participação que eu tive em 92, mesmo não jogando muito, com 18 anos, quando o Flamengo foi campeão brasileiro, foi muito marcante, foi um experiência muito rica para mim. 

Real Madrid: Um título com o Real Madrid contra o Vasco, o Mundial de 98, inclusive, esse ano vai completar 20 anos. Foi algo muito marcante, não por ser contra o Vasco, mas porque era um título que eu sonhava muito ganhar... então eu ganhei com o Real Madrid. 

Real Zaragoza: E teve também um com o Real Zaragoza, aonde eu tive uma participação inesquecível. Nós ganhamos a Copa do Rei da Espanha em 2004 contra o próprio Real Madrid contra os galácticos do Real Madrid. Ninguém esperava! Nós ganhamos por 3 a 2 em Barcelona, jogo único, e fomos campeões. Esse foi muito especial e um dos títulos mais difíceis que eu ganhei. 

5 - Falando em Seleção Brasileira: você atuou com a amarelinha mais de 30 vezes. O fato de não ter tido a oportunidade de atuar em uma Copa do Mundo te chateia de alguma forma? 

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O fato da Copa do Mundo não chateia. É claro que, até por toda minha carreira no Flamengo, Real Madrid... ganhei vários títulos importantes, você sai com um gostinho de que  faltou alguma coisa, né! De repente uma Copa do Mundo ia  selar a minha carreira. Mas não tem nenhuma mágoa, não tem nenhum ressentimento. Pelo contrário, eu acho que isso me dava ainda mais força para superar e melhorar a cada dia. Então, não guardo nenhum rancor. Cada oportunidade que eu tive, os jogos que eu tive na Seleção eu procurei fazer o meu melhor. Fui vice-campeão da Copa América  em 1991. Ganhamos o pré-olímpico dentro da Argentina em 96. Guardo com muito carinho a medalha de bronze das Olimpíadas de Atlanta. O tempo que eu tive na Seleção Brasileira eu tentei fazer o meu máximo. São coisas que a gente tem que assimilar e ir levando, porque senão fica com ressentimento, tentando arrumar alguma coisa para explicar o que aconteceu... isso nunca foi meu caminho. Eu sempre tive uma tranquilidade muito grande em relação a isso.


6 - Desde que se você se aposentou, lá se vão oito anos. Como surgiu a ideia da "Sávio Soccer", e qual a importância que empresas como essa tem dentro do futebol? 

É, hoje o foco total é o lado empresarial. Eu tenho empresas nos setores esportivos, como a Sávio Soccer, no imobiliário, financeiro e, mais recentemente, na parte de alimentos pra mercado. Estou muito focado na área empresarial. A Sávio Soccer veio com o intuito realmente de fazer uma gestão completa da carreira do atleta. Mesmo sabendo que o futebol não é fácil e esse mundo não é fácil, pela dificuldade que tem, pela competitividade que tem nesse setor... mas tentar de uma certa forma passar para os atletas a importância não só de fazer uma gestão de carreira profissional de longo prazo, mas também visando o lado de imagem do atleta e a relação financeira.  Então, é um pouco de tudo. O que eu tive na minha carreira, eu quero passar para os atletas e mostrar o que significa ter um planejamento realmente de longo prazo.

7- Dentro da sua função pós jogador, qual o grau de importância que você credita ao tempo que passou no Guarani de Palhoça? E afinal: por que Palhoça, por que o Guarani? 

 O Guarani de Palhoça foi um momento de oportunidade aonde eu, juntamente com Renan Dalzotto, atual treinador da seleção brasileira de vôlei, tentamos fazer um projeto de gestão profissional. Eu acho que em muitos momentos atingimos algo muito legal. Só que o futebol é uma dificuldade muito grande, ainda mais quando se trata de um clube que não tem uma parte financeira muito equilibrada, um clube que não tem torcida. Quando nós estivemos à frente tentamos fazer o melhor. E mesmo sendo somente um ano, eu aprendi muito! Eu guardo como uma experiência muito rica na minha vida, porque muitas coisas que  eu aprendi ali, fizeram com que eu enxergasse situações dentro do futebol que eu não tinha enxergado até então. Com sucesso ou insucesso, a gente tem que sempre tirar lições para as nossas vidas. Realmente o Guarani trouxe alguns pontos que eu trago de lição pra minha vida profissional.

8- Como você enxerga a realidade administrativa do nosso futebol, incluindo o calendário? E o nível de jogo, te agrada? 

Não é uma questão de crítica, e sim de sinceridade.  Há muito tempo que estamos muito aquém do que nós deveríamos ter no futebol brasileiro em termos de gestão. Eu acho que de um modo geral,  clubes, confederações,etc. Nós avançamos muito pouco nos últimos anos, e eu acho que pagamos um preço muito alto, até dentro de campo. Em termos de Copa do Mundo também. Então, infelizmente, não é um dos melhores momentos de gestão dentro do futebol brasileiro, muito pelo contrário. E o atual momento dentro de campo também. A gente sempre pensa que tem jogadores de qualidade, tem talentos surgindo, talentos no futebol brasileiro, " é o futebol brasileiro, mesmo com toda a dificuldade e a falta de gestão". Mas realmente nós não somos os melhores do mundo há algum tempo. E ficou comprovado mais uma vez na Copa do Mundo. Eu acho que chegou o momento de reconhecermos que não somos mais os melhores e mudarmos muitas coisas. E eu digo de gestão, de como trabalhamos o futebol de base e o profissional,  porque muitos países avançaram e, infelizmente, nós não avançamos nada nos últimos anos.

9 - Nós tivemos a oportunidade de entrevistar um grande fã seu em uma das nossas séries especiais, o Marcos Ishikawa. Como é a sua relação com os fãs e admiradores? E você recebe muitas mensagens dessas pessoas? 

Eu sempre tive uma relação de muito carinho e de muito respeito com os torcedores e com os fãs. Então, é claro que a gente não conseguia, principalmente naquela época do Flamengo e da Seleção Brasileira, atender todo mundo, ou, tirar foto com todo mundo, dar autógrafo... mas eu sempre tive uma proximidade muito grande dos torcedores e fãs. Eu sempre tentei respeitar da melhor maneira possível. Porque era uma admiração, era uma troca. Carinho, reconhecimento... isso tudo é muito legal, é o fruto de um trabalho que a gente faz e a gente luta diariamente para ter esse reconhecimento. Hoje eu ainda recebo um carinho muito grande de muitos torcedores do Flamengo, do Real, quando eu vou à Madrid... do Zaragoza, quando eu vou para Espanha. Esse carinho dos torcedores nas redes sociais  quando eu posto algo muito direcionado ao Flamengo, por exemplo, sou tratado até hoje como o "Anjo Loiro da Gávea"... isso é muito gostoso, é muito positivo e eu tenho um orgulho muito grande de fazer parte da vida de alguns torcedores que cresceram me vendo jogar.  Saber que alguns pais colocaram em seus filhos o nome de Sávio em minha homenagem, o que é algo tão importante em nossas vidas, que é o nosso nome, né?! Então, é uma responsabilidade muito grande, também fora de campo. A minha responsabilidade é de não passar algo ruim, principalmente para as crianças e adolescentes, porque eu era espelho para essas crianças, né?! Eu tenho uma preocupação  muito grande em passar sempre algo positivo, porque é como eu falei: era uma troca, eu tinha um carinho muito grande deles, e em contra-partida, tentava através do meu futebol e da minha postura, retribuir esse carinho.

Para o Marcos...

Completando também, especialmente falando para o Marcos, isso é muito gratificante, é algo que me incentivou a começar tão cedo no futebol. Tenho o carinho das pessoas até hoje. Claro,  naquele momento quando eu ainda jogava era muito forte, era diário. Mas depois de muitos anos o carinho que eu recebo de algumas pessoas ainda é muito especial. E o Marcos, propriamente dito, é muito legal, fico muito feliz! Um grande abraço para ele, saudações rubro-negras, porque pessoas assim eu sempre guardo com muito carinho no meu coração.



10 - Qual a mensagem que você deixa para aqueles meninos e meninas que sonham em se tornar jogadores (a) de futebol?

Olha, primeiro de tudo é ter força de vontade. Depois,  paixão no que faz e respeito, muito respeito com os profissionais, principalmente os que estão todos os dias ali para te ensinar alguma coisa, para  te mostrar uma direção. Isso é muito importante! Porque eu sempre tive um carinho e um respeito muito grande pelos profissionais que me treinavam no infantil do Flamengo com 14 anos. Pessoas como mestre Dida, o seu Neca... pessoas que estavam ali todos os dias para te ensinar. Às vezes com muita dificuldade, com salários atrasados... a nutricionista, a área social do Flamengo com a lavadeira, com a tia que fazia a comida na concentração que eu morei quase seis anos... Então, essas pessoas, elas são muito especiais e são pessoas que ninguém fala, ninguém vê na verdade. Uma palavra de carinho delas fazia toda a diferença para que eu chegasse na concentração motivado. E estava ali; minha roupa lavada, minha roupa de cama lavada, a minha comida... bastava a palavra de carinho e um puxão de orelha da área social do Flamengo para que eu entendesse muita coisa. São coisas que me ajudaram a crescer muito. Então, o que eu falo hoje para as crianças e adolescentes que querem jogar futebol é: o futebol, o esporte em geral, mudou muito, mas ouça sempre as pessoas que estão com você. Respeite-as sempre, pois elas estão ali, mesmo com tantas dificuldades, para te ajudar. Outra coisa que é muito importante é o estudo, a educação; nunca abra mão de estudar. Não abra mão de todos os dias aprender alguma coisa diferente, isso é muito importante. Eu encerrei a minha carreira já vai fazer nove anos e mesmo assim eu estou todos os dias buscando aprender algo novo. 

Nota final:

Quando conhecemos as pessoas e identificamos o caráter e o respeito pela qual suas vidas são baseadas, conseguimos entender como foi pavimentada a estrada do sucesso do indivíduo. Sávio nos atendeu com imenso carinho e respeito e, em momento algum, preocupou-se com o fato de não ser a ESPN, ou quem sabe o globoesporte.com, o seu entrevistador. Falou da carreira, das atividades posteriores à ela e fez com que nós, do elclasicosports.com, nos sentíssemos ainda mais prestigiados.


Carta de Marcos Ishikawa para Sávio: clique e confira

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