Entrevista com Rodrigo Capelo, especialista em economia do esporte
O nível do futebol brasileiro passa muito pela parte financeira. Nossos clubes demonstram imensa incapacidade administrativa e econômica. Você fatura 200, mas gasta 300 milhões. Os motivos desse despreparo podem ser mais simples do que imaginamos. Muitas vezes o clube até tem um bom faturamento, mas que não consegue acompanhar salários super-faturados e dividas antigas que crescem a cada ano. A verdade é que no Brasil não temos muitos clubes capazes de pagar salários acima dos 300 mil reais por mês, mas se pesquisarmos um pouco, veremos que muitos o fazem assim mesmo.
Situações mais graves - números de 2017:
No top 5 dos clubes mais endividados do futebol brasileiro estão 3, dos 4 maiores clubes do Rio de Janeiro. Vasco, Botafogo e Fluminense vivem situações muito parecidas, onde faturam muito menos do que precisam para se manter de pé. Além da divida, que engloba débitos fiscais, trabalhistas e bancários, eles tem dificuldade com os custos gerados pelo futebol durante o ano. Por exemplo: O Vasco faturou 136,5 milhões de reais (sem contar a venda de jogadores) em 2017, enquanto os custos com o futebol foram de 145,6 que, somado a outros custos, deixaram o clube com um déficit de 22,9 milhões de reais. No entanto, quando falamos dos três clubes de pior situação no Rio de Janeiro, o déficit do Vasco ainda não é o pior. O Fluminense, por exemplo, aumentou o seu faturamento em 67%, o que não o impediu de encerrar o ano com o maior déficit do futebol brasileiro; 79,8 milhões de reais.
Vale ressaltar que os clubes brasileiros colocam na conta de seus faturamentos a venda de jogadores, uma prática comum no Brasil, mas que tende a ser muito perigosa. O Botafogo, clube que conseguiu um superávit de 53,5 milhões de reais, um dos bons resultados de 2017, conseguiu quase toda a sua receita sem contar com a transferência de jogadores (97%). Já o Vasco, dos 191,7 milhões que o clube faturou em 2017, 55,7 tiveram como origem a negociação de atletas, cerca de 29% do total. O orçamento da diretoria vascaína pra 2018 também já faz planos com uma possível venda de atletas. Por outro lado, temos o Flamengo, clube modelo de administração no Brasil, mas que também utiliza dessa prática, no entanto, não depende dela como alguns clubes.
Veja no gráfico dois demonstrativos de orçamento para 2018:
(números apresentados por Rodrigo Capelo no início do ano)
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VASCO/ FATURAMENTO PREVISTO: 275 MILHÕES |
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FLAMENGO/ FATURAMENTO PREVISTO: 487 MILHÕES |
Os gráficos acima exemplificam dois extremos. O primeiro está na parte de baixo, definhando e buscando de qualquer maneira apresentar um número positivo. O orçamento total do Vasco como supracitado é de 275 milhões de reais, porém, alguns absurdos são encontrados em meio aos números. Contar com 48 milhões de reais em venda de jogadores é patético, ainda mais quando esse número representa 17% do total apresentado. O Vasco ainda conta com 9 milhões de uma fatia chamada "outros", que eu como um não entendedor profundo de finanças de clubes de futebol, sou levado a conclusão de que a diretoria não faz ideia de como atingir esse número. Além do mais, o clube fatura pouco com o modelo de sócio-torcedor, previsão de apenas 9,8% (27 milhões) do total, enquanto na Gávea se prevê algo em torno de 96 milhões de reais (19%). Pra se ter uma ideia, a previsão do Vasco para despesas em 2018 é de 226 milhões de reais. Vamos imaginar um cenário (muito possível) onde o clube não consiga atingir a meta de venda de atletas (48 milhões) e "outros" (9 milhões). Isso abriria, de cara, um déficit de 6 milhões de reais. Bizarro e preocupante.
O Flamengo, que tem seu orçamento exibido no segundo gráfico, apresenta um número otimista e bem mais realista. Dos 487 milhões de reais que o rubro-negro espera arrecadar até o fechamento de 2018, apenas 3,1 % (15 milhões) deveriam entrar via venda de jogadores, uma fatia que não causa nenhum tipo de dependência, é quase um bônus. E esse bônus já está garantido, já que o clube acertou a venda do meia Lucas Paquetá ao Milan, da Itália, por 150 milhões de reais .E assim como no Vasco, a maior arrecadação está nos contratos de televisão, 45% (R$220 mi) (50% (R$139 mi) no caso do Vasco). No entanto, enquanto o gigante da colina tem uma cota de patrocínio referente à 10,5% do total previsto, o Flamengo conta com 25,5%. Uma diferença que também é gritante nos valores: 124 milhões pelo lado rubro-negro, e 29 milhões de reais pelos lados da colina histórica.
Usei as situações inversas de Vasco e Flamengo porque, há alguns anos, esses clubes estavam em situações parecidas. O Vasco estava mal, como está hoje, mas o Flamengo também passava por uma crise financeira gigantesca, sendo inclusive por anos o clube com a maior divida do país. Uma demonstração do quão importante é a profissionalização da gestão no esporte.
Conversamos com Rodrigo Capelo, jornalista especializado em finanças do esporte. Rodrigo é comentarista dos canais SporTV e um profundo conhecedor da matéria. O jornalista nos respondeu questões importantes sobre como a maioria dos clubes brasileiros se afundou em dividas. Rodrigo também falou sobre ações relativamente simples que poderiam ser feitas para diminuir o buraco, mas que dependeriam da boa vontade dos nossos dirigentes.
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TOP 5 FATURAMENTO |
1 - O endividamento dos clubes é um dos principais problemas que o futebol brasileiro enfrenta, algo que impossibilita o avanço estrutural e a contratação de jogadores de melhor nível. Qual a possibilidade de esse panorama se alterar em um futuro próximo, você percebe uma mobilização dos clubes nesse sentido?
Acho que é bem baixa essa possibilidade, cara. A gente vê algumas melhorias em termos de controle do endividamento, e eu digo controle porque assim: as pessoas tem a impressão de que o objetivo é zerar o endividamento, é resolver o endividamento e ficar sem divida nenhuma. E esse não é um cenário possível e talvez nem desejável da maior parte dos clubes. Porque todo mundo tem divida, todo mundo tem algum compromisso, seja pessoa jurídica, física ou clube de futebol. O importante é que esse endividamento ele esteja sob controle. O que significa isso? Que ele não tire de você na hora que você estiver exercendo a sua atividade. Por exemplo: o Botafogo hoje só consegue investir metade do que ele arrecada, com o futebol. A outra metade ele perde com custos administrativos, algo em torno de 20%, e outros 30% são dívidas. Ou seja, você está gastando uma parte do seu faturamento pagando o passado ao invés de investir no presente e no futuro. E conforme essa fatia do passado fica maior, ela começa a comer o dinheiro do seu presente e você não consegue mais sobreviver, muito menos investir.
Feito toda essa introdução, quem está em melhor situação em relação a isso? Primeiro lugar o Palmeiras, porque tem uma série de conjuntos que possibilitaram a ele chegar nessa situação. Primeiro, um presidente que chega com 200 milhões, empresta esses 200 milhões e equaciona o endividamento. Imagina um clube que deve 300 milhões e chega um cara com 200... você consegue alongar todas as suas dividas. Paga aquelas mais urgentes, substitui taxas de juros mais altas por taxas muito mais baixas, do próprio presidente. Então, dessa forma, você consegue aliviar o prazo e a condição de pagamento. E o Palmeiras ainda teve a questão do estádio e um patrocínio gigantesco. Enfim, isso deixou o Palmeiras em uma situação confortável.
O Flamengo também tem conseguido muita melhoria nesse sentido, baixou muito o seu endividamento e equacionou boa parte. Só pra dar um exemplo: a maioria dos clubes quando tem dividas trabalhistas e essas dividas ficam muito grandes, eles costumam entrar no ato trabalhista que, basicamente, é fazer uma fila na justiça e combinar com os credores judicialmente e dizer: "olha, eu vou pegar 20, 30% da minha receita todo mês e direcionar pra esse fim (trabalhista). Só que se todo mundo cobrar de uma vez eu não consigo pagar, então façam uma fila aqui na própria justiça que conforme o dinheiro for sendo direcionado pra isso vocês vão recebendo". A maioria dos clubes já fez isso no Brasil. O Flamengo não só fez, como já saiu. O Vasco, o Botafogo e o Fluminense, tem dificuldade pra fazer e se manter, porque eles não conseguem dedicar dinheiro suficiente pra ir quitando essas dividas. O Flamengo conseguiu e saiu. Então você vê, ele já está em estágio tão mais tranquilo de endividamento que nem precisa mais fazer essa fila na justiça, ele consegue pagar suas dividas só com seus acordos e com o dinheiro que está entrando. Está entrando muito mais dinheiro, então ele consegue destinar boa parte desse dinheiro pra equacionar essa divida.
Outros clubes estão em condições bem piores do que Flamengo e Palmeiras, porque continuam fazendo dividas e criando problemas para o futuro. Essa é a regra do futebol, Flamengo e Palmeiras são exceções.
2 - Existem vários meios de um clube se perder financeiramente. Mas qual você acredita ser o principal aqui no Brasil?
Cara, na verdade, tem UM grande jeito de se perder financeiramente que vale pra pessoas, empresas e clubes: que é gastar mais do que você arrecada. Se você na tua vida tem X salário e gasta X² nas suas despesas, você vai quebrar, você vai ter problemas muito graves. Ou você vai deixar alguém sem receber, vai dar calote em alguém, ou vai ter que pegar empréstimo e vai se endividar... vai ter que tirar dinheiro de algum lugar e vai ficar em uma situação bem difícil. É a mesma coisa que um clube de futebol. Cronicamente os nossos clubes gastam muito mais do que arrecadam. Bom, não é que a cultura brasileira faz com que isso aconteça, a natureza do "negócio futebol" funciona assim. Porque o dirigente ele está lá pra ganhar título, não pra ter lucro. Como a finalidade é o título, quanto mais ele arrecada mais ele gasta. E quanto mais os adversários gastam, mais ele quer gastar pra tentar acompanhar os rivais e aumentar suas chances de ser campeão. Então, o negócio futebol estimula a irresponsabilidade, isso é uma coisa intrínseca do negócio, da essência dele. E você só consegue controlar isso com pessoas muito responsáveis, ou, com uma direção, uma coisa muito mais ampla vinda de cima pra baixo que coloque algumas regras. É o caso do fair play financeiro na Europa e, timidamente, o Profut aqui no Brasil, ainda sem resultados muito palpáveis. Esse é o principal problema, é por isso que os clubes estão endividados, que não tem capacidade de investimento e de manter seus principais jogadores. Decorre de eles não terem dinheiro, de ter um orçamento estourado e gastar mais do que arrecadam.
3 - Sobre aqueles patrocinadores que bancam os clubes. Tivemos o Palmeiras com a Parmalat, o Fluminense com a Unimed e, mais uma vez, o Palmeiras, agora com a Crefisa. Até que ponto isso é saudável?
Você citou alguns exemplos que eu acho que a gente precisa fazer distinções. O Palmeiras e Parmalat foi um caso de co-gestão. A Parmalat contratou um executivo, José Carlos Brunoro, depois foi o Paulo Angioni - mais no final da parceria. Então, a patrocinadora participava da administração, ela tomava decisão, contratava jogador e tinha uma participação formal estabelecida. O caso do Fluminense foi diferente porque, era um patrocínio teoricamente puro, só que o presidente (Unimed) tinha ambição política e muita ingerência no dia a dia. E o Palmeiras e a Crefisa é um terceiro tipo de patrocínio. É um patrocínio puro em termos de ingerência no departamento de futebol, porque até onde a gente tem notícia, a Leila Pereira não interfere em quem vai ser contratado, ou quem vai ser escalado ou como o time tem que jogar; isso é uma decisão do departamento de futebol. Mas ela deu muito cheque em branco pro Palmeiras poder se reforçar e ter um patrocínio que está muito acima do valor de mercado, isso porque ela própria tem uma ambição política de se tornar presidente do clube. Então, são três tipos diferentes de patrocínio com níveis de intervenção e de formalidades diferentes.
Você citou alguns exemplos que eu acho que a gente precisa fazer distinções. O Palmeiras e Parmalat foi um caso de co-gestão. A Parmalat contratou um executivo, José Carlos Brunoro, depois foi o Paulo Angioni - mais no final da parceria. Então, a patrocinadora participava da administração, ela tomava decisão, contratava jogador e tinha uma participação formal estabelecida. O caso do Fluminense foi diferente porque, era um patrocínio teoricamente puro, só que o presidente (Unimed) tinha ambição política e muita ingerência no dia a dia. E o Palmeiras e a Crefisa é um terceiro tipo de patrocínio. É um patrocínio puro em termos de ingerência no departamento de futebol, porque até onde a gente tem notícia, a Leila Pereira não interfere em quem vai ser contratado, ou quem vai ser escalado ou como o time tem que jogar; isso é uma decisão do departamento de futebol. Mas ela deu muito cheque em branco pro Palmeiras poder se reforçar e ter um patrocínio que está muito acima do valor de mercado, isso porque ela própria tem uma ambição política de se tornar presidente do clube. Então, são três tipos diferentes de patrocínio com níveis de intervenção e de formalidades diferentes.
Se é saudável? Cara, de todos esses, o Palmeiras com a crefisa está em modelo mais saudável, pois ele tem receitas além do patrocínio. O patrocínio responde a 1/3 do faturamento, você tem o outro 1/3 vindo da televisão e mais 1/3 vindo da torcida - seja com bilheteria ou via sócio torcedor. Então, se o Palmeiras perde a crefisa ele toma um tombo, tem que fazer ajustes, pois serão 120 milhões a menos. Mas o clube não quebra. O Fluminense com a Unimed, não. O Fluminense estava com os ovos todos em uma cesta só, não tinha uma estrutura financeira que fosse saudável e quando a Unimed saiu o clube teve que assumir os gastos dela e quebrou. Não funcionou. E o problema do Palmeiras com a Parmalat foi que, conforme a Parmalat era uma co-gestora, participava da administração e tinha seus próprios executivos, essas pessoas desenvolveram um know-how de como administrar o futebol, e o Palmeiras não. O José Carlos Brunoro, o Paulo Angioni e as pessoas que estavam envolvidas ali pelo lado da Palmalat, elas sabiam como administrar o clube - como negociar, encontrar jogadores, etc. E o Palmeiras não criou esse conhecimento. Então, quando a Parmalat saiu, o Palmeiras perdeu o dinheiro dela, mas ele não ficou em uma posição de "quebradeira", o Palmeiras não estava quebrado financeiramente, tendo inclusive dinheiro em caixa para investir. Mas ele tinha um presidente na época, o Mustafá Contursi, que queria adotar uma política de 'bonito, bom e barato', o "bbb", e não funcionou. Não funcionou porque contratou jogadores errados, perdeu jogadores que não devia e poucos anos depois caiu pra segunda divisão. Mas, foi mais um problema de conhecimento do que de dinheiro. Então, você percebe que são três casos diferentes, inclusive nas consequências. O Palmeiras se deu mal por não ter conhecimento, o Fluminense por não ter dinheiro e o Palmeiras com a crefisa talvez não se dê mal. Mas, isso a gente ainda vai descobrir.
4 - No top 5 dos maiores devedores da elite do futebol brasileiro estão 3, dos 4 grandes clubes do Rio (Vasco, Fluminense e Botafogo). Dentro do que você entende de finança esportiva, há a possibilidade de recuperação desses clubes em um curto/médio prazo - como foi a do Flamengo, por exemplo?
Não vejo a possibilidade de recuperação nos mesmos termos do Flamengo e, talvez, algum
deles nem se recupere. Então por partes. O Flamengo conseguiu colocar as finanças no eixo em mais ou menos cinco anos. 2013,14, 15 e 16, foram anos em que o Flamengo muito mais pagou dividas do que investiu no futebol, ele não tinha dinheiro pra isso. Só em 2017/18 é que o Flamengo começou a fazer investimento, e esse investimento ainda não deu os títulos que a torcida e a diretoria esperam - embora tenha melhorado sensivelmente o desempenho esportivo do clube. Então, cinco anos. Só que o Flamengo é um clube com torcedor no Brasil inteiro, com o maior contrato de televisão do país e que conseguiu um desempenho comercial excelente - só perde pro Palmeiras, e o do Palmeiras está inflado por uma questão política. Então, mercadologicamente, o Flamengo faz um trabalho... bom, difícil fazer essa comparação, eu não vou fazer essa comparação. O fato é: a crefisa paga um valor muito fora do mercado, e o Flamengo consegue um valor mais próximo daquilo que a gente poderia considerar como um valor mercadológico, porque tem mais patrocinadores e consegue a maioria deles na base da negociação. Embora tenha também o patrocínio público da Caixa que faz a sua diferença. Enfim. O Flamengo fez essa recuperação em cinco anos, mas ele tem fontes de receita muito maiores. E ele aumentou a receita dele muito rápido. De 2013 pra 14, de 14 pra 15, ele chegou em 600 milhões e, de uma maneira muito rápida, quase triplicou a receita.
O Botafogo, Vasco e Fluminense tem condições de fazer a mesma coisa? Eu acho que não. Não só pela gestão, mas porque eles tem menos torcida e, no fim das contas, o tamanho da torcida conta muito, porque o potencial comercial está 100% ligado a isso. Pode ser que eles consigam arrumar a casa? Pode. Em quanto tempo? Cinco anos? Acho que não. Oito? Dez? Quinze? O tempo pra recuperar esses clubes vai ser diferente. E a gente tem que considerar também, que enquanto essa recuperação estiver acontecendo, você vai ter um Flamengo voando. Então, isso vai ter efeito na formação de novos torcedores, na competitividade, na quantidade de títulos que o Flamengo vai disputar e ganhar nesses próximos anos e os outros três, não. Então, são circunstâncias muitos mais difíceis, porque eles tem menos potencial de arrecadação, eles vão ter um prazo mais prolongado de recuperação e ainda vão ter que assistir um período de domínio do maior rival. A situação desses três é bastante difícil - pensando no médio/longo prazo.
Muita gente diz assim: "São Paulo e Rio de Janeiro são cidades divididas por quatro clubes." E na real não é isso, né?! São Paulo é dividida por três clubes, com uma vantagem do Corinthians, mas de uma maneira mais ou menos igual. O Santos tem muito pouco, cerca de 5% dos torcedores da capital. E a cidade do Rio de Janeiro não é dividida por quatro, ela é dividida por dois; sendo que a metade é do Flamengo e a outra metade você divide em três - o tamanho de torcida, logo, o potencial comercial. Então, o questionamento que a gente tem que fazer agora é: tem espaço para três grandes clubes no Rio de Janeiro - além do Flamengo? Com o Flamengo nessa fase de domínio que ele vai ter nos próximos dez anos, inevitavelmente ele vai aumentar a torcida e tomar futuros torcedores de Botafogo, Vasco e Fluminense. Então, a gente tem que pensar se um desses três clubes não vai ficar pelo caminho. E quando eu digo "ficar pelo caminho", não significa necessariamente fechar as portas, sumir, parar de jogar... Significa se apequenar, ver sua torcida ficar menor. É ter tantos problemas financeiros que cai pra segunda divisão e não volta. E aí, pô, mais um rebaixamento? Tanto o Vasco quanto o Botafogo já caíram mais de uma vez. O Fluminense passou por anos 90 muito difíceis, e se livrou do rebaixamento recentemente graças a questões extra campo, tribunal, etc. Essa formação de novos torcedores pode ameaçar um desses três clubes, se não, mais de um, e é um temor que eles tem que ter em relação ao futuro. Eles precisam desesperadamente colocar a gestão no eixo e administrar melhor o seu futebol, porque eles vão correr o risco de um deles não existir mais do ponto de vista de primeira divisão, disputa de título e competição. E não é exagero pensar isso. Se você analisar, o América do Rio de Janeiro nos anos 50 tinha uma torcida do tamanho da do Botafogo. O Bangu teve uma torcida grande também. E cadê os dois? Eles estão lá, com a porta aberta, disputando estadual... mas, nenhum deles tem relevância nacional. Esse é o risco que os três estão correndo.
5 – Os salários no Brasil para técnicos e jogadores estão acima do que nossos clubes suportam? Isso não seria um motivo para tantos problemas?
Não tenho dúvida. Sim! Como a gente estava falando antes, as despesas acima das receitas e o fato de faltar dinheiro toda temporada e isso virar divida, são os problemas originais. Os clubes precisam reduzir gastos, e os principais gastos dos clubes estão nos salários dos jogadores. Principais mesmo, cerca de 60, 70% da folha é pra isso. Então, sim, está acima do que deveria. E a questão é que, diagnosticar isso é relativamente fácil. Você encontra jogadores aqui de qualidade questionável, ou, de qualidade mediana pra boa, recebendo 500, 600, 700 mil reais por mês, então fica evidente que tem alguma coisa errada aí. Agora, como é que a gente vai resolver isso? A gente pode resolver com algum tipo de intervenção, só que eu não sei se a gente tem organização pra fazer isso funcionar. O Fair Play financeiro coloca uma limitação no salário de jogador. O Profut até colocou uma limitação, mas ela é muito frouxa, 80% da folha no máximo podem ser gastos com salário. Os clubes nunca chegarão nem perto disso, até porque eles tem o clube social, esportes amadores... eles gastam muito mais dinheiro com outras fontes, e esse percentual é um mecanismo que não funciona no Brasil. Mas, funciona na Europa. Nos esportes americanos, eles colocam teto de gastos coletivo e individual. Então, você vai contratar um jogador de basquete para sua franquia, tem todo um cálculo do que você pode gastar. Isso vai te forçando a ter no seu elenco - no seu time titular, apenas duas , no máximo três estrelas - mesmo que você tenha dinheiro pra ter cinco, seis. Porque o teto de gastos te impede de fazer isso. Mas, esse é um tipo de saída que depende de uma organização e uma união dos clubes que a gente não tem. Então acho que não acontecerá tão cedo.
Outra maneira que a gente teria de reduzir um pouco isso, seria trabalhar com oferta e demanda. É uma questão de economia: a oferta de jogadores, versus a demanda dos clubes em contratar esses jogadores. Quando você tem uma oferta de jogadores reduzida e uma demanda maior, você vai aumentar o custo desse jogador. Como é que se faz pra melhorar isso? Na demanda você não vai mexer, pois na primeira divisão tem lá vinte clubes, eles vão contratar tantos jogadores e é isso. Mas na oferta daria pra mexer. A gente poderia reduzir ou acabar com o limite de estrangeiros, e começar a contratar muito mais jogador chileno, uruguaio, argentino, colombiano, venezuelano, equatoriano... todos eles estão aqui do lado. A gente tem uma economia muito mais forte do que desses países, os nossos clubes tem muito mais dinheiro do que os clubes desses países. Se a gente não tivesse essa limitação de estrangeiros na equipe, que na verdade é uma medida de protecionismo interna para que o brasileiro não perca o emprego pro "uruguaio", a gente conseguiria ter uma oferta melhor de jogadores e você não teria que pagar 700 mil por mês pra um jogador, sendo que aqui do lado teria um que te cobraria 300. Esse seria um caminho. Agora, quem é que fala sobre isso publicamente? Ninguém. Quem é que fala sobre isso nos bastidores? Que eu saiba, ninguém. Então, não vejo movimentação nenhuma nesse sentido. O que eu vejo, são os clubes correndo cada um pra um lado, cada com um objetivo, cada um com uma mentalidade. Uns responsáveis, outros muitos irresponsáveis e o mercado vai apostando nessa mão invisível que, de tão invisível, não está regulando nosso mercado.
Não vejo a possibilidade de recuperação nos mesmos termos do Flamengo e, talvez, algum
O Botafogo, Vasco e Fluminense tem condições de fazer a mesma coisa? Eu acho que não. Não só pela gestão, mas porque eles tem menos torcida e, no fim das contas, o tamanho da torcida conta muito, porque o potencial comercial está 100% ligado a isso. Pode ser que eles consigam arrumar a casa? Pode. Em quanto tempo? Cinco anos? Acho que não. Oito? Dez? Quinze? O tempo pra recuperar esses clubes vai ser diferente. E a gente tem que considerar também, que enquanto essa recuperação estiver acontecendo, você vai ter um Flamengo voando. Então, isso vai ter efeito na formação de novos torcedores, na competitividade, na quantidade de títulos que o Flamengo vai disputar e ganhar nesses próximos anos e os outros três, não. Então, são circunstâncias muitos mais difíceis, porque eles tem menos potencial de arrecadação, eles vão ter um prazo mais prolongado de recuperação e ainda vão ter que assistir um período de domínio do maior rival. A situação desses três é bastante difícil - pensando no médio/longo prazo.
Muita gente diz assim: "São Paulo e Rio de Janeiro são cidades divididas por quatro clubes." E na real não é isso, né?! São Paulo é dividida por três clubes, com uma vantagem do Corinthians, mas de uma maneira mais ou menos igual. O Santos tem muito pouco, cerca de 5% dos torcedores da capital. E a cidade do Rio de Janeiro não é dividida por quatro, ela é dividida por dois; sendo que a metade é do Flamengo e a outra metade você divide em três - o tamanho de torcida, logo, o potencial comercial. Então, o questionamento que a gente tem que fazer agora é: tem espaço para três grandes clubes no Rio de Janeiro - além do Flamengo? Com o Flamengo nessa fase de domínio que ele vai ter nos próximos dez anos, inevitavelmente ele vai aumentar a torcida e tomar futuros torcedores de Botafogo, Vasco e Fluminense. Então, a gente tem que pensar se um desses três clubes não vai ficar pelo caminho. E quando eu digo "ficar pelo caminho", não significa necessariamente fechar as portas, sumir, parar de jogar... Significa se apequenar, ver sua torcida ficar menor. É ter tantos problemas financeiros que cai pra segunda divisão e não volta. E aí, pô, mais um rebaixamento? Tanto o Vasco quanto o Botafogo já caíram mais de uma vez. O Fluminense passou por anos 90 muito difíceis, e se livrou do rebaixamento recentemente graças a questões extra campo, tribunal, etc. Essa formação de novos torcedores pode ameaçar um desses três clubes, se não, mais de um, e é um temor que eles tem que ter em relação ao futuro. Eles precisam desesperadamente colocar a gestão no eixo e administrar melhor o seu futebol, porque eles vão correr o risco de um deles não existir mais do ponto de vista de primeira divisão, disputa de título e competição. E não é exagero pensar isso. Se você analisar, o América do Rio de Janeiro nos anos 50 tinha uma torcida do tamanho da do Botafogo. O Bangu teve uma torcida grande também. E cadê os dois? Eles estão lá, com a porta aberta, disputando estadual... mas, nenhum deles tem relevância nacional. Esse é o risco que os três estão correndo.
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TOP 5 ENDIVIDAMENTO |
5 – Os salários no Brasil para técnicos e jogadores estão acima do que nossos clubes suportam? Isso não seria um motivo para tantos problemas?
Não tenho dúvida. Sim! Como a gente estava falando antes, as despesas acima das receitas e o fato de faltar dinheiro toda temporada e isso virar divida, são os problemas originais. Os clubes precisam reduzir gastos, e os principais gastos dos clubes estão nos salários dos jogadores. Principais mesmo, cerca de 60, 70% da folha é pra isso. Então, sim, está acima do que deveria. E a questão é que, diagnosticar isso é relativamente fácil. Você encontra jogadores aqui de qualidade questionável, ou, de qualidade mediana pra boa, recebendo 500, 600, 700 mil reais por mês, então fica evidente que tem alguma coisa errada aí. Agora, como é que a gente vai resolver isso? A gente pode resolver com algum tipo de intervenção, só que eu não sei se a gente tem organização pra fazer isso funcionar. O Fair Play financeiro coloca uma limitação no salário de jogador. O Profut até colocou uma limitação, mas ela é muito frouxa, 80% da folha no máximo podem ser gastos com salário. Os clubes nunca chegarão nem perto disso, até porque eles tem o clube social, esportes amadores... eles gastam muito mais dinheiro com outras fontes, e esse percentual é um mecanismo que não funciona no Brasil. Mas, funciona na Europa. Nos esportes americanos, eles colocam teto de gastos coletivo e individual. Então, você vai contratar um jogador de basquete para sua franquia, tem todo um cálculo do que você pode gastar. Isso vai te forçando a ter no seu elenco - no seu time titular, apenas duas , no máximo três estrelas - mesmo que você tenha dinheiro pra ter cinco, seis. Porque o teto de gastos te impede de fazer isso. Mas, esse é um tipo de saída que depende de uma organização e uma união dos clubes que a gente não tem. Então acho que não acontecerá tão cedo.
Outra maneira que a gente teria de reduzir um pouco isso, seria trabalhar com oferta e demanda. É uma questão de economia: a oferta de jogadores, versus a demanda dos clubes em contratar esses jogadores. Quando você tem uma oferta de jogadores reduzida e uma demanda maior, você vai aumentar o custo desse jogador. Como é que se faz pra melhorar isso? Na demanda você não vai mexer, pois na primeira divisão tem lá vinte clubes, eles vão contratar tantos jogadores e é isso. Mas na oferta daria pra mexer. A gente poderia reduzir ou acabar com o limite de estrangeiros, e começar a contratar muito mais jogador chileno, uruguaio, argentino, colombiano, venezuelano, equatoriano... todos eles estão aqui do lado. A gente tem uma economia muito mais forte do que desses países, os nossos clubes tem muito mais dinheiro do que os clubes desses países. Se a gente não tivesse essa limitação de estrangeiros na equipe, que na verdade é uma medida de protecionismo interna para que o brasileiro não perca o emprego pro "uruguaio", a gente conseguiria ter uma oferta melhor de jogadores e você não teria que pagar 700 mil por mês pra um jogador, sendo que aqui do lado teria um que te cobraria 300. Esse seria um caminho. Agora, quem é que fala sobre isso publicamente? Ninguém. Quem é que fala sobre isso nos bastidores? Que eu saiba, ninguém. Então, não vejo movimentação nenhuma nesse sentido. O que eu vejo, são os clubes correndo cada um pra um lado, cada com um objetivo, cada um com uma mentalidade. Uns responsáveis, outros muitos irresponsáveis e o mercado vai apostando nessa mão invisível que, de tão invisível, não está regulando nosso mercado.
6 – Para terminar: Você acredita que a pressão de torcidas induz dirigentes ao erro?
Sem duvida! Mas, tem dois tipos de pressão: tem uma externa, que é o torcedor vindo fazer cobrança - torcida organizada e tal. E você tem o próprio dirigente que é um torcedor também, e o fato de ser um torcedor faz com que ele pense de uma maneira meio torta às vezes. Tem muito exemplo de dirigente que tem um discurso e uma prática na própria vida, mas quando chega num clube de futebol faz outra coisa, porque ele está movido pela emoção de querer ser campeão. E é por querer ser campeão que ele gasta o que não tem. E é por isso que a gente caiu nessa situação financeira degradante que está o nosso futebol. A emoção atrapalha demais o nosso mercado e do futebol no mundo também, isso não é um privilégio nosso.
E essa pressão externa, que eu acho que é dela que você está se referindo, eu acho que faz diferença sim, sem duvida. O torcedor faz demandas que ele não sabe se são exequíveis ou não, ele não tem ideia. Porque ele participa muito pouco, se informa muito pouco. Quando se informa é de uma meio fragmentada. As pessoas imaginam quem está em uma situação melhor ou pior... ultimamente o Flamengo e o Palmeiras tem grana, "os outros todos estão quebrados"... elas param por aí, elas não tem noção do que está acontecendo. E essa falta de noção faz com que venham cobranças fora do lugar. Cobranças exageradas, como a torcida do Flamengo, que diz que a gestão do Bandeira de Melo é um fracasso, é uma tragédia. E não é. Levantando faixas com os dizeres "Salário em dia, porrada em falta", o que é uma idiotice. Eles são movidos por essa paixão e por essa falta de informação, e isso tem o seu impacto na vida dos dirigentes. Felizmente, nesses últimos cinco anos, poucas vezes a diretoria do Flamengo deixou se levar pelo calor da torcida; seja na hora de demitir um técnico, contratar um jogador ou demitir um jogador. Pelo contrário, muitas vezes a gente viu a diretoria insistindo em atleta pra passar uma imagem de blindagem em relação às criticas que vinham de fora. O goleiro Muralha é um exemplo. Claramente ele ficou no clube muito mais tempo do que deveria - na minha opinião. E, bem. Também tem a pressão de torcedores como os do Botafogo, que pensam que vão invadir o CT e ameaçar os jogadores, achando que estão fazendo bem com isso. Estão fazendo mal, na verdade. Só estão assustando os jogadores. Os que estão no clube e os que poderiam chegar, pois na hora de assinar um contrato isso vai pesar. São torcedores fora, torcedores dentro... e o resultado disso é um futebol muito mais administrado com o coração e com o fígado do que com o cérebro. Esse é o problema!
Sem duvida! Mas, tem dois tipos de pressão: tem uma externa, que é o torcedor vindo fazer cobrança - torcida organizada e tal. E você tem o próprio dirigente que é um torcedor também, e o fato de ser um torcedor faz com que ele pense de uma maneira meio torta às vezes. Tem muito exemplo de dirigente que tem um discurso e uma prática na própria vida, mas quando chega num clube de futebol faz outra coisa, porque ele está movido pela emoção de querer ser campeão. E é por querer ser campeão que ele gasta o que não tem. E é por isso que a gente caiu nessa situação financeira degradante que está o nosso futebol. A emoção atrapalha demais o nosso mercado e do futebol no mundo também, isso não é um privilégio nosso.
E essa pressão externa, que eu acho que é dela que você está se referindo, eu acho que faz diferença sim, sem duvida. O torcedor faz demandas que ele não sabe se são exequíveis ou não, ele não tem ideia. Porque ele participa muito pouco, se informa muito pouco. Quando se informa é de uma meio fragmentada. As pessoas imaginam quem está em uma situação melhor ou pior... ultimamente o Flamengo e o Palmeiras tem grana, "os outros todos estão quebrados"... elas param por aí, elas não tem noção do que está acontecendo. E essa falta de noção faz com que venham cobranças fora do lugar. Cobranças exageradas, como a torcida do Flamengo, que diz que a gestão do Bandeira de Melo é um fracasso, é uma tragédia. E não é. Levantando faixas com os dizeres "Salário em dia, porrada em falta", o que é uma idiotice. Eles são movidos por essa paixão e por essa falta de informação, e isso tem o seu impacto na vida dos dirigentes. Felizmente, nesses últimos cinco anos, poucas vezes a diretoria do Flamengo deixou se levar pelo calor da torcida; seja na hora de demitir um técnico, contratar um jogador ou demitir um jogador. Pelo contrário, muitas vezes a gente viu a diretoria insistindo em atleta pra passar uma imagem de blindagem em relação às criticas que vinham de fora. O goleiro Muralha é um exemplo. Claramente ele ficou no clube muito mais tempo do que deveria - na minha opinião. E, bem. Também tem a pressão de torcedores como os do Botafogo, que pensam que vão invadir o CT e ameaçar os jogadores, achando que estão fazendo bem com isso. Estão fazendo mal, na verdade. Só estão assustando os jogadores. Os que estão no clube e os que poderiam chegar, pois na hora de assinar um contrato isso vai pesar. São torcedores fora, torcedores dentro... e o resultado disso é um futebol muito mais administrado com o coração e com o fígado do que com o cérebro. Esse é o problema!
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