Entenda os motivos do afastamento de Rivaldo e Ronaldinho pelo Barça
Na última semana, o mundo do futebol se surpreendeu com o afastamento de Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo, que atuam como embaixadores da instituição, das atividades do FC Barcelona. O motivo foi o explícito apoio dos ex-craques ao candidato à presidência Jair Bolsonaro. O problema estaria na diferença de ideologia. Muitos brasileiros ainda se perguntam: Por que? O que uma coisa tem a ver com a outra? Nesse artigo tentarei explicar de maneira simples e objetiva quais os motivos que levaram o clube blaugrana a tomar essa decisão.
Fundação, ditadura e morte de seu criador
O Fútbol Club Barcelona foi fundado em 1899, como projeto de vida de um suíço radicado em Barcelona chamado Hans Max Gamper - conhecido como Joan Gamper. Gamper foi um poli-desportista fundador também do FC Zurich, clube do seu país natal. Os primeiros anos foram mais tranquilos, até que em 1923 após o golpe militar de Primo Rivera, se agravaram os problemas políticos na Espanha e a Catalunha passou a ser ainda mais oprimida. Qualquer tipo de manifestação popular era severamente contida, milhares de pessoas morreram em meio à esses conflitos armados. Em 1925, o clube foi diretamente afetado. Em um amistoso disputado pelo Barça no antigo Estádio Les Corts - o primeiro de sua história, o hino espanhol foi fortemente vaiado e, além disso, grande parte dos presentes (cerca de 14 mil pessoas) cantavam o hino catalão, causando um tremendo mal estar. A partida aconteceu, pois era frente uma equipe inglesa. Porém, como punição, o estádio ficou fechado e dominado por militares durante seis meses, e Joan Gamper foi obrigado a ficar longe do país por quase cinco anos.
Gamper era um dos principais militantes pela independência catalã, além de ser um líder resistente aos governos de extrema direita. A igualdade racial era um dos grandes objetivos do visionário, que nunca aceitou essa diferenciação dentro de sua instituição. A ideologia do FC Barcelona realmente não se encaixa com algumas declarações dadas por Jair Bolsonaro, mesmo que ele não pense assim de maneira literal, o que sai da boca é o que vai parar nas revistas, jornais e tele-jornais.
Revisando algumas declarações do candidato do PSL à presidência do país, consigo explicar tudo isso em apenas uma delas: "Pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Roussef..."
Resumindo, Carlos Alberto Brilhante Ustra foi responsável pela institucionalização da tortura no Brasil na época do regime militar. O ex-coronel do exército foi o único brasileiro reconhecido como torturador e, mesmo assim, com um currículo tão manchado de sangue, foi homenageado pelo mesmo homem que hoje lidera a corrida presidencial no Brasil. Vale ressaltar que esse não é um artigo político, e eu não acredito que Jair Bolsonaro realmente seja a favor da volta de todo esse terror para o nosso país. Apenas estou tentando aqui explicar os motivos pelos quais o FC Barcelona, clube que passou mais de 30 anos lutando contra o regime militar, se convenceu ser inaceitável ter dois embaixadores apoiando um candidato que, em um determinado momento de sua vida política, homenageou a memória de um torturador perverso (clique aqui e conheça um pouco mais sobre história de Carlos Alberto Brilhante Ustra).
Um pouco mais sobre a história de Joan Gamper e as consequências por desafiar a ditadura militar:
Em 1925, como supracitado, Joan Gamper foi um dos principais militantes pela nacionalização da Catalunha; algo que gerou sérias consequências para sua vida pessoal e também para sua continuidade no FC Barcelona. Gamper ficou quase cinco anos afastado da Catalunha, até que em 1929 a ditadura de Primo Rivera - a mesma que o expulsara da Espanha em 25 - permitiu que Gamper voltasse ao país. Mas, houveram algumas condições para que isso fosse possível. Umas delas, era que o suíço não poderia chegar nem perto da sede do Fútbol Club Barcelona; instituição pela qual Joan Gamper entregara a vida durante 25 anos. Casado e com dois filhos, Gamper resolveu aceitar a proposta do ditador, pensando exclusivamente no bem estar dos filhos e da esposa.
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Cortejo em Barcelona para o enterro de Joan Gamper em 1930 |
Em Novembro de 1929, a família do suíço voltara finalmente à Catalunha. Mas, Hans já não era o mesmo. Segundo contam historiadores, o entusiasmo que sempre foi a grande marca do poli-desportista, simplesmente desapareceu. A depressão e os problemas de saúde foram piorando, e o homem responsável por levar o futebol à Catalunha, foi perdendo a vontade de viver.
Em 30 de Julho de 1930, Joan Gamper deu fim à agonia. Com um disparo na cabeça, o pai do Fútbol Club Barcelona se despedia do mundo. O homem que trouxe à vida o maior orgulho do povo catalão, não aguentou ficar longe de sua criação. Aos 52 anos de idade o visionário cometeu suicídio em sua casa, na capital catalã. Aquele foi um duro golpe para os seguidores e administradores do clube, que no mesmo dia desceram a bandeira azul e grená a meio mastro em sinal de respeito.
Na cidade a comoção foi imensa. Os jornais da Catalunha estampavam em suas capas o ato de desespero do homem que foi a marca da evolução esportiva da região, uma mito, uma lenda que foi vencido pela tristeza e os horrores de um governo fascista.
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Joan Gamper em 1899, ano da fundação do F.C Barcelona. |
Nos meses após a morte de Gamper, o Barça realizou inúmeros eventos esportivos em homenagem ao seu criador. Em 1934, Hans foi o primeiro desportista a ter o seu nome em uma rua de Barcelona como forma de homagem. Em 24 de Junho, a Rua Crisantemos, que dava acesso ao Estádio Les Corts, passara a se chamar Hans Gamper. Após a Guerra Civíl, em 1939, o governo do ditador Francisco Franco ordenou que a rua restituísse o antigo nome, entendendo que Joan Gamper era um rebelde e não merecera tal honraria. A rua ainda voltaria a se chamar Hans Gamper anos depois.
Em 1947 o Barcelona construía o Estádio Camp Nou, e a diretoria tomara a decisão de batizar o mesmo com o nome de Joan Gamper. No entanto, a ditadura franquista não permitiu, entendendo ser uma afronta ao regime militar. Em 1966 o então presidente culé, Enric Llaudet, instituiu o Troféu Joan Gamper, que até hoje faz parte da pré-temporada do clube como forma de homenagem.
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Belo artigo Lui Chaves, um grande convite a mergulhar na bela história do Barcelona. Penso que, devido as turbulências enfrentadas ao longo de sua história, tal atitude é cabível e compreensível. Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirTamo junto meu parceiro!
ExcluirObrigado pelo artigo, pude compreender melhor, toda essa história.
ResponderExcluirNós que estamos no Brasil entendemos a revolta que está acontecendo na população e, hoje é uma massa enorme de gente.
Não culpo o R10 nem o Rivaldo por apoiarem essa "esperança de renovação", porém também não culpo o Barcelona, tudo vem de princípios, origens...
Espero que eles se acertem, pois um é o reflexo do outro atualmente!.
Mas uma vez, obrigado.
Eu que agradeço por esse feedback, Danilo. Esse era exatamente o intuito do artigo. Obrigado, de coração!
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