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Entrevista com Rodrigo Bueno: o crescimento do futebol europeu no Brasil






Rodrigo Bueno é jornalista e comentarista do canal Fox Sports. Via internet, Rodrigo nos concedeu uma entrevista onde falamos sobre a imensa popularização do futebol internacional em nosso país. Hoje, temos muitos torcedores (de verdade) brasileiros de clubes europeus, um fenômeno que tem explicação. O jornalista nos passou o seu ponto de vista; o ponto de vista de alguém que atua a mais de vinte anos como jornalista esportivo e, majoritariamente, cobre o futebol do velho continente. 

Confira agora, na íntegra, o nosso papo com Rodrigo Bueno, comentarista dos canais FOX SPORTS: 


1 - Para começar: Diferentemente de alguns anos atrás, hoje os bate-papos sobre futebol nos bares do Brasil vão muito além das fronteiras nacionais. Na sua opinião, por que está havendo essa migração de preferências do futebol nacional para o internacional?

"Sou muito suspeito para responder sobre isso porque, na metade dos anos 90, quando comecei a trabalhar na Folha de S. Paulo, criei a frase “O futebol mundial vai dominar o mundo”. Pode parecer uma redundância, uma tolice, mas é porque na época o jornal e boa parte da imprensa brasileira dividia o noticiário em “Futebol” e “Futebol mundial”. Era como se fossem dois esportes diferentes. Mas estava cada vez mais claro que o chamado “Futebol mundial” ia ganhando mais espaço, mais páginas, mais reportagens. Eu me desenvolvi muito na profissão justamente nessa fase, assumindo no começo de 1997 a coluna de futebol internacional da Folha, antes escrita por Silvio Lancellotti, uma referência, sobretudo por causa do calcio, que aprendi a acompanhar com ele nos anos 80 nas transmissões do Campeonato Italiano na Bandeirantes.

A internet começou a engatinhar no Brasil em 1996, novas mídias apareceram e aproximaram o mundo todo, encurtando distâncias, globalizando a cobertura jornalística. Em pouco tempo, todo mundo começou a saber do Real Madrid e do Barcelona como sabíamos dos grandes clubes brasileiros. O sucesso da Champions League e de outras ligas nacionais independentes da Europa alavancou ainda mais o gosto pelo futebol internacional. Quando eu era garotinho, só víamos grandes jogadores e times estrangeiros esporadicamente, ou em Copas do Mundo ou em algum amistoso da seleção brasileira ou em alguma final de competição europeia que a Globo decidia mostrar. As TVs a cabo chegaram e passaram a popularizar o tal “Futebol mundial” no país. Natural que muitas crianças, adolescentes e mesmo adultos que curtem futebol virassem simpatizantes de times e jogadores do exterior. Com a Lei Bosman praticamente sepultando o limite de estrangeiros no futebol europeu, alguns clubes ficaram ainda mais poderosos, mais atraentes que seleções, como preconizou Silvio Berlusconi no começo da década de 90. Ele foi um dos idealizadores de uma Superliga europeia, uma espécie de Copa do Mundo de clubes disputada anualmente. É a Champions League que vemos hoje, uma atração poderosa que virou referência para o mundo todo, assim como é a Premier League. São exemplos (“cases”) de sucesso, de excelência, de organização, de negócio, de marketing, de entretenimento, um modelo que mudou a forma como muitos enxergam as competições esportivas. 

Assim como as pessoas veem na F-1 a nata do automobilismo e como identificam na NBA a elite do basquete, percebem que o futebol europeu é o melhor, o que reúne os melhores times, atletas e treinadores. Tudo passa pela questão econômica e pela organização das ligas. Mesmo em um país de tradição no futebol, como o Brasil, é quase impossível alguém não se encantar com os grandes confrontos europeus. Até porque os melhores jogadores brasileiros, há décadas, vão trabalhar na Europa. A mídia nacional teve que se render a essa realidade. Hoje a cobertura dos grandes campeonatos e times europeus toma grande parte do noticiário brasileiro. Quem não conhece os principais clubes e jogadores estrangeiros fica desatualizado, ultrapassado, isso serve para técnicos, jornalistas e também para torcedores em geral."

2 - Qualidade de jogo: Você acredita que o baixo nível do futebol apresentado em nosso país hoje, se deve apenas ao fator financeiro, ou esse é um problema que vai muito além disso? 

"O principal fator é mesmo econômico. Sem dinheiro, não há como manter os principais jogadores do país aqui, não é possível contratar estrangeiros de grande nível. Mas não é só uma questão financeira. O Brasil ainda patina em termos de organização e administração, por exemplo.

Por mais que tenhamos melhorado em muitos aspectos nos últimos anos, ainda temos muito a fazer para melhorar o futebol brasileiro. Nem uma liga nacional independente da CBF nós temos. A federação nacional deveria cuidar apenas das seleções e da Copa do Brasil, que agora está sendo fortalecida e mais valorizada. Os clubes brasileiros deveriam se unir em torno de muitas causas, principalmente essa liga nacional, mas cada um vê apenas seu umbigo e só reclamam quando se sentem prejudicados. Nesse cenário em que é cada um por si, quem perde é o futebol brasileiro e quem ganha muitas vezes é o velho cartola, o empresário esperto, o investidor oportunista etc."

3 - O jornalista Rodrigo Bueno, como alguém que acompanha o futebol europeu de perto, acredita que temos capacidade para produzir uma liga nacional tão bem vista como as ligas nacionais na Europa? Se sim, o que é preciso ser feito para que isso aconteça? 

"Falta vontade política apenas. Durante muitos anos a CBF não quis abrir mão do Campeonato Brasileiro. Tivemos dois anos em que ela não conseguiu tocar a competição e meio que a largou para os clubes. Isso aconteceu em 1987, por conta de uma crise, e em 2000, por causa de uma questão judicial. O futebol brasileiro poderia ter tido uma liga independente antes mesmo da Champions League e da Premier League, mas o Clube dos 13 (sobretudo Eurico Miranda em 1987) roeu a corda e cedeu à CBF. Ricardo Teixeira, mais no final de sua longa gestão, buscou uma aproximação com os clubes e acenou com a possibilidade de passar o Brasileiro para esses. O Clube dos 13 ainda existia e devia ter abraçado de vez essa ideia. Mas muitos clubes querem vida boa e temem arcar com despesas com arbitragem e com tribunal, sobretudo. Vimos algo parecido neste ano, quando alguns clubes não concordaram com a instauração do árbitro de vídeo no Brasileiro, alegando problemas financeiros. A CBF poderia pagar neste ano, pois ela está bem financeiramente e ainda é a organizadora da competição. Mas, se imaginarmos uma liga independente, esse tipo de custo vai para os clubes. E muitos desses, sabemos, são muito mal administrados. É preciso ter regras mais claras e duras para punir os clubes que são mal administrados. Quem não tem condição de pagar seus profissionais e suas dívidas, que caia de divisão, recomece do zero, passe por uma real reestruturação. O Brasil tem condições de ter pelo menos uma poderosa Série A e uma forte Série B independentes da CBF."

4 - Calendário: De maneira bizarra o nosso calendário não se adapta ao calendário FIFA. O que você acha que poderia/deveria ser feito nesse sentido? 

"O calendário brasileiro melhorou em relação ao que tinha no passado, mas ainda está longe da perfeição. Não sou radicalmente favorável à adequação ao calendário europeu, mas seria algo simples fazer uma abertura de temporada com uma Supercopa do Brasil (duelo entre os campeões do Brasileiro e da Copa do Brasil em algum estádio neutro, possivelmente um desses elefantes brancos feitos para a Copa de 2014), depois iniciar o Brasileiro logo em fevereiro, com jogos só aos finais de semana, indo até o final do ano, deixando os meios de semana para todos os mata-matas. Não seria complicado deixar todos os times do país disputarem a Copa do Brasil, afinal é um torneio eliminatório. Os Estaduais, por tradição, poderiam ser mantidos como uma Copa da Liga (da Inglaterra e da França) ou mesmo como uma Copa do Mundo (com sete jogos no máximo para o campeão). Não se pode ter jogos de clubes da Série A em Datas Fifa, coisa mais do que óbvia. Os clubes pequenos precisam disputar campeonatos que durem o ano todo, pode ser uma Série E, F, G, H que seja, uma disputa que o permita existir."

5 - Gestão dos clubes e da CBF: Qual a sua opinião sobre a condução do nosso futebol em termos administrativos (clubes e confederação)?

"Temos basicamente no país times que são quadros associativos. Por lei, qualquer grupo de pessoas pode formar um clube e administrar esse clube da forma que bem entende. Não temos ainda no país muito a cultura de uma administração profissional. Ainda temos muitos dirigentes de clubes que são na verdade torcedores apaixonados, alguns com boas intenções, alguns que são corruptos e aproveitadores. Quando um clube brasileiro consegue algum grande patrocínio ou algum grande parceiro (muitas vezes é o próprio governo, que, a meu ver, não deveria patrocinar time de futebol), surfa em uma onda muito bacana. Quando precisa caminhar com as próprias pernas, normalmente pena, tem dificuldades, atrasa salários, gasta mais do que arrecada. Hoje há mais transparência nos clubes, algo que custou a acontecer. A cobertura da imprensa contribuiu, a nova legislação esportiva também, é claro. Não estou certo de que a transformação de clubes em empresas seja a solução de todos os problemas. Temos casos de times europeus que viraram S/A e não decolaram, ao contrário (acho que o tradicional Leeds é um bom exemplo). Na Espanha, apenas quatro clubes não foram obrigados a virar S/A (Athletic Bilbao, Barcelona, Osasuna e Real Madrid) e vemos que os três incaíveis do país estão entre esses times. O modelo de quadro associativo de Barça e Real é basicamente o modelo dos clubes brasileiros. Porém eu acho que alguns clubes poderiam ter o direito de se vender para algum magnata ou bilionário. O que seria da Portuguesa, do Guarani ou do América-RJ se Roman Abramovich ou Nasser bin Gganim Al-Khelaifi quisessem despejar milhões nesses clubes? Desde que esse investimento seja feito de forma legal, com o devido pagamento de impostos e tudo mais, seria uma coisa positiva para o país, para o futebol brasileiro, não só para esses times que definham ao longo do tempo.

Sobre a CBF, ela ainda é uma caixa preta. Em 2011, em uma coluna minha na Folha, eu lancei uma candidatura de protesto à presidência da entidade. Na verdade, foi mais uma forma de mostrar como é praticamente impossível ser presidente da CBF sem me sujar com dezenas de dirigentes do país. Para concorrer, eu precisava do apoio formal de pelo menos oito federações estaduais e de cinco clubes da Série A. Isso está no Estatuto da CBF, um documento que não é público, poucos têm acesso a ele. Quando quer, a CBF é uma entidade privada, não deve satisfação a ninguém. Quando lhe interessa, a CBF é a pátria, representa o país, precisa do apoio de todos. Só com muita politicagem ou dinheiro alguém pode assumir a presidência da CBF, isso não está certo. Dando mesadas para presidentes de federações estaduais e fazendo agrados a presidentes de clubes (nomeando chefes de delegações, oferecendo cargos, unificando títulos nacionais, reconhecendo conquistas do passado, dando medalhas e presentes etc.), você se perpetua no poder. Infelizmente, é assim historicamente na CBF. E, pena, é assim até na Fifa."


6 - Qual a sua opinião sobre o VAR? Até que ponto ele veio para ajudar e, por outro lado, atrapalhar?

"O VAR, como toda tecnologia no futebol, só veio para ajudar. Não quer dizer que ele vai corrigir todos os erros do futebol e que fará justiça sempre, mas, na imensa maioria das vezes, o árbitro de vídeo vai consertar algo no jogo, vai fazer o certo, vai validar o que de fato aconteceu em campo. Sempre fui favorável ao uso da tecnologia no esporte. Primeiro, porque acho justo o melhor vencer. Já vi muitos vencedores que não mereceram seus triunfos por culpa de juiz e isso é ruim para o esporte. Aquela antiga história de que o futebol é legal porque tem polêmica e gera discussão no bar nunca colou para mim. Eu sempre desejei clareza, transparência, justiça no esporte. Admiro outras modalidades que se preocuparam muito antes com isso, que buscaram logo a tecnologia para ajudar a arbitragem. Torço para que o VAR esteja logo em todas as competições. Se não dá para ter VAR na quinta divisão por razões econômicas ou estruturais, paciência. Não dá para ter jogo de quinta divisão normalmente em arenas modernas de Copa do Mundo e tudo bem. Esse pensamento antigo de que o futebol é democrático e simples, que as regras só podem mudar se for para atender até o jogo de futebol de várzea, também não cola para mim. Se dá para ter a tecnologia da linha do gol para saber se a bola entrou ou não apenas na Série A por razões financeiras, que se use essa tecnologia apenas na Série A. Se só é possível na Copa do Mundo, que se use apenas na Copa do Mundo. Mas que se use sempre que for possível."

7 - Pra terminar: você acredita ser possível que o ibope do torcedor brasileiro se volte em maior número para o futebol internacional, de modo a no Brasil o mercado perder rentabilidade? 

"Creio que isso já está acontecendo de certa forma. O futebol nacional tem sofrido com muita concorrência nos últimos tempos. Hoje as pessoas têm muito mais opção na TV e em outras plataformas. A audiência da TV aberta caiu muito em relação ao passado por conta das TVs fechadas e da internet. Um jogo que dava 50 pontos de Ibope na Globo nos anos 90 hoje alcança a metade disso apenas. As novas gerações estão cada vez mais antenadas e mais dispostas a assistir as coisas na hora em que bem entendem, muitas vezes em seu celular ou em seu laptop. O mundo mudou bastante nesse sentido. Esses novos meios facilitam a busca pelo futebol internacional. Quem quer assistir Real Madrid x Barcelona hoje não é obrigado a ver o jogo do Brasileiro que passa na Globo, por exemplo. Quando eu era garoto, eu não tinha opção praticamente. Via o jogo que queriam que eu visse na hora em que eles desejassem. Isso está muito fora de moda. Hoje é a gente que escolhe. Tem clubes com seus próprios canais de TV, oferecendo uma outra opção para o torcedor. Clubes europeus já têm seus canais próprios há um bom tempo e utilizam essas ferramentas para atender seus torcedores no mundo todo. Não creio que teremos um dia no Brasil mais torcedores do Real Madrid e do Barcelona do que do Flamengo, mas é inegável que há um aumento significativo dos fãs de futebol internacional em nosso país. Pesquisas de torcida já começam a detectar esse fenômeno com mais clareza, inclusive."


Crédito das imagens: foxsports.

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